Os áudios acabaram. Fico em silêncio na sala de reunião da Delegacia. Não escuto os passos dos meus colegas de trabalho, nem suas vozes. Não que eu esteja com dificuldade auditiva, só não quero ouvir. O depoimento de Rodrigo me faz lembrar da Música de Eric Zann. Li a tanto tempo. Estava no ensino médio na época. Foi a primeira e única vez. Mas, nessa única vez, o som dessa música, que nunca existiu, ficou na minha cabeça. As palavras de H.P. Lovecraft deram origem a sinfonia oculta do inferno, que me arrepiou quando jovem.
Ao escutar Rodrigo Terra, poderia, simplesmente, rir sobre a situação. Colocar em mais um relatório qualquer, sobre um lunático qualquer, que cometeu crimes. Crimes que qualquer lunático faria. Mas a graça acaba, quando não é uma situação qualquer. Em um silêncio, minhas mãos e axilas se mantém secas. Sou o oposto humano em momentos de tensão. Fico com a boca seca, oque me faz levantar e pegar um copo d'água, em um filtro, que se encontra perto do café frio e dos biscoitos moles. Volto a me sentar. Na minha cabeça, certa pergunta me contorna como um leve estrangulamento:
- Seria possível que a música de Eric Zann fosse real?
Estou no ensino médio de novo? Sou um adulto com medo adolescente. Tão fictício e real ao mesmo tempo, que cogito a ideia de estar começando a perder um pouco de minha sanidade mental. Por que minhas mãos tremem? Por que minha pálpebra e meu canto inferior, esquerdo, de minha boca estão se movendo de forma involuntária? Estou tendo um derrame? É possível uma crueldade que seja maior do que a do pior dos seres humanos?
Tento respirar com mais calma. Conto de 1 até 10. Não me encontro na sala de reuniões, não trabalho como policial, não sou homem e não sou humano. Nesses 10 segundos, não posso existir. Ao fechar meus olhos, consigo fugir da música de Eric Zann e do meu medo juvenil. Abro meus olhos, a sala aparenta estar com todas suas superfícies cobertas por um véu negro. Não consigo me mexer. Meu pânico cresce da raiz dos meus pés gordos, até o topo de minha espinha. Minha nuca fica dolorida e pressionada, como se eu estivesse a ponto de ver meu crânio saindo do corpo por conta própria.
Medo, melancolia e podridão. Descobri que são os três compostos desse cheiro insuportável. O cheiro toma conta de toda a sala. O café frio se torna petróleo, e os biscoitos velhos, viram vermes de várias cores. As cores se rastejando pela boca do porte, por estar transbordando. O cheiro entra em minhas narinas. Vontade de vomitar e de chorar lágrimas de sangue, em meus olhos amarelados e doentes.
Na sala, entra uma figura que é idêntica a mim, mas sem expressão. Mesma roupa, suor e os olhos abatidos de cansaço. Meu outro eu segura uma Máscara. Exatamente, aquela Máscara. Meu outro eu olha para o canto da sala, onde se encontra o filtro. Agora, o filtro d'água se transforma em uma encanação de esgoto, despejando algo líquido e podre. Dessa água poluída, nasceu uma poça, com um tamanho que preenchia parte do chão. Minha figura inexpressiva caminha até a poça, lentamente, enquanto meu corpo treme de forma incessante. O Carlos Inexpressivo, puxa o corpo de Caetano de dentro da poça. Caetano aparece apenas de cueca, quase afogado, soltando lágrimas de esgoto e soltando gasolina de sua boca, como se tivesse acabado de sair de um tanque de combustível.
Meu corpo não consegue se mexer. Só fito meu reflexo, colocando a máscara, e retirando a camisa do Vasco, que eu e ele estávamos usando. Caetano chora, mas não consegue soltar nenhum som de suas cordas vocais. Meu reflexo enfia a camisa, enrolada, dentro da boca de Caetano. Entra a camisa por inteira, e depois a mão. Seu braço afunda mais e mais dentro de sua goela, até o esôfago. Agora, só me resta o choro de desespero. Não posso parar oque eu vejo, não posso me parar. Caetano começa a falecer, enquanto meu reflexo balança o braço por dentro de seu corpo. Meu reflexo começa a gritar de forma sorridente, e com os olhos revirados. Decidi fechar meus olhos e esperar morrer.
Abro meus olhos com Rubem e Waldo abrindo a porta da sala de reunião. Eles conversam algo e perguntam se estou bem. Me viro lentamente, sentado, em frente a eles. Esbugalho meus olhos e vomito por quase um minuto. Desmaio, só me lembro de Rubem e Waldo correndo em minha direção.
Silêncio. Um silêncio perturbador. Uma melodia de Eric Zann?
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A Máscara Oni
HorrorNa cidade do Rio de Janeiro, a polícia começa a investigar ocorridos que beiram ao absurdo e ao incompreensível. De corpos completamente destroçados, a pessoas que perderam a noção da realidade e começaram a cometer assassinatos sem nenhuma motivaçã...