Maria e eu nos mudamos para esse quitinete faz menos de um ano. Nossa dificuldade financeira é normal para nossos respectivos trabalhos. Trabalho como designer para uma marca de roupas esportivas, Maria trabalha na área de relações humanas em uma empresa de celulares. Não somos especiais, somos normais, até demais. Mesmo quando Gloria nasceu, nossas vidas não mudaram muito. Além do cheiro de merda, por causa das fraudas da Gloria, ter se alastrado por todo o quitinete por um bom tempo, não mudou muita coisa.
Estava prevendo que algo desastroso aconteceria. Exatamente por esse excesso de quietude. Até Gloria, recém-nascida, não chorava tanto. Provavelmente, ela previa, assim como eu, que a tempestade estava chegando. Dito e feito, Maria me chama para conversar. Maria utiliza delicadamente as palavras ao se dirigir a mim sobre o assunto:
-Rodrigo. Estou tendo relações com um colega do meu trabalho. Aposto que você duvidava de algo. Percebo você distante, assim como eu tenho me afastado de você. Não sei como você vai lidar com essa terrível novidade, mas não cogito a ideia de divórcio. Não quero minha filha, que não completou nem o seu primeiro ano de vida, tenha que passar por esse turbilhão de problemas por nossa causa. Acredito em um acordo: Continuamos juntos e tentamos fazer com que nosso casamento se acerte, até Glória completar 5 anos. Caso não aconteça, façamos nosso divórcio de forma pacífica e cada um segue sua vida. Não acho que precisamos discutir a guarda da Glória. Até porquê a separação não será concretizada agora. Quero saber: Estamos de acordo?
Maria me enfia um soco no estômago. Não são só suas palavras, mas como ela me disse. Me parecia um monólogo de algum filme do Ingmar Bergman. Só mexi a minha cabeça para cima e para baixo, mostrando que eu estava ciente de tudo que ela acabara de me contar. Seria mentira eu negar que nunca passou a possibilidade de divórcio entre nós. Uma relação em um Modus Operandi, esta destinada a uma hora, simplesmente, quebrar.
Não acreditei no momento que Maria me confirmou uma traição. Entendo o seu desinteresse por mim depois de anos de relacionamento. Mas me trair? Mentir? Maria sempre odiou mentiras, grandes ou pequenas. Nas palavras de Maria, a mentira é: "o que existe de pior no ser humano, ou o começo da destruição do mesmo.". Não acho que ela se sinta destruída. Pelo contrário, ela se mostrou forte como um gigante que esta aponto de destruir uma muralha. Essa muralha é imensa, porém o gigante a quebra como se fosse uma parede de vidro. Maria me transformou em cacos , e eu só mexi a cabeça.
Passo alguns dias completamente perdido, sendo fazendo compras no mercado ou errando a entrega de uma arte para a empresa. Mas em casa, tudo continua como sempre. Tirando o fato de Gloria estar chorando com mais frequência. A cada dia, ela chora mais 5 minutos a mais que o dia anterior, ou algo parecido.
Era uma sexta-feira. Precisei sair para beber um pouco. Não aguentava mais o choro de Gloria, e nem o fingimento de estar satisfeito com a companhia de Maria, aquela vagabunda. Nesse dia, comprei a garrafa de vodca mais barata que tinha em um bar na esquina. Acabei com a garrafa em menos de meia hora. Volto para casa cambaleando, vomitei em um poste e dei uma cagada aguada perto de uma lixeira quebrada, que se encontrava na frente da portaria.
Enquanto fechava minha calça, que tinha um zíper velho, me dificultando bastante, vejo algo perto da lixeira. Parecia um rosto. Me assusto por um momento achando que era alguém morto. Chego mais perto, e vejo. É uma máscara.
A máscara me parece conservada. Ela estava perto do lixo, mas não estava suja e nem fedendo. Bêbado, agarro a máscara e a levo até meu maldito quitinete. A limpo e a deixo apoiada em uma estante qualquer, como um enfeite qualquer. A máscara tinha um aspecto diferente dos que conhecemos e vemos nos carnavais, por exemplo. A primeira coisa que Maria disse ao se tocar sobre a existência da máscara em nosso apartamento foi:
-Nossa. Não sabia que você curtia teatro japonês.
Quando pesquisei no celular, logo depois do que Maria me disse, descobri que a máscara tinha a aparência parecida com uma utilizada para peças de teatro. Mais exatamente, peças sobre lendas japonesas. Acabou que eu e Maria nos acostumamos com a máscara enfeitando a sala. Mas, ao longo do tempo, percebia que a máscara mudava suas feições. O mais estranho é que, seu rosto mudava e eu não lembrava o que mudou. Isso acontecia de um dia para o outro, sem parar. Você deve estar se perguntando: Se eu não me lembrava antes, como eu me lembro agora? Eu só pude confirmar essa hipótese depois do ocorrido com minha mulher e filha.
Um dia, estava em casa com ambas, e me despertou uma vontade de brincar com Gloria. Fazia um tempo que eu não brincava com ela, principalmente por conta do peso do ambiente entre eu e Maria. Decido pegar a máscara e brincar de aparecer e desaparecer atrás da porta. Glória já engatinhava e ria com qualquer coisa boba. Se e soprasse na barriga dela, ou mesmo ficar batendo panelas, Gloria gargalhava. A gargalhada da minha bebê era uma coisa linda. Deve ser esse sentimento para qualquer pai.
Porém, o resultado não foi o esperado. Quando apareço com a máscara, e faço um simples "Buh!", Gloria me encara parecendo alguém que acaba de olhar para dentro dos olhos da Medusa. Faço mais duas vezes, Gloria começa a contorcer a boca e a frangir a sua testa. Esta pronta para começar a chorar. Vou em direção a Gloria, e seu choro começa aumentar de forma estridente. Não consigo entender o que acontece. Gloria chora com uma mistura de raiva e desespero, dando tapinhas na face da máscara.
Perco o controle sobre meu corpo. Sinto pregos entrando em meu rosto. Só consigo controlar meus olhos. Minha boca começa a falar em um tom distorcido, coisas que eu nunca falaria para minha pequena bebê:
-"Sua vadia. Você não vai rir? Você quer que eu te dê umas porradas nessa sua boquinha? Se eu te mostrasse minha piroca, você ia soltar a gargalhada que seu pai gosta tanto?"
Meus braços colocam Gloria na minha frente. Minhas mãos começam a amassar as costelas e as laterais do corpo da minha filha. Meus olhos começam a vomitar lágrimas. Como reagir? Não controlo meu corpo, mas é meu corpo que esta maltratando minha filha. É meu corpo que esta fazendo ela gritar e chorar sem parar, de forma agonizante. Sou seu pai, eu deveria defendê-la de qualquer coisa, a qualquer custo. Mas como vou salva-la de mim?
A máscara desgruda do meu rosto e despenca até o chão. Volto a controlar meu corpo, e meu rosto não apresenta nenhum furo ou corte que lembre pregos. Abraço minha filha e começo a chorar com Gloria por quase 20 minutos. Coloco Gloria para dormir e procuro a máscara, para destroçar aquela filha da puta. Quando volto a sala, não consigo encontrá-la.
Começo a ouvir algo do banheiro. Fico em pânico, pois me parece Maria gemendo. Depois de causar sofrimento a mim e a minha filha, de uma máscara fazer eu quase matar minha bebê, essa piranha tem a indecência de trazer seu amante para trepar em nosso quitinete?
Decido arrombar a porta. Maria esta transando com algo que tem um corpo masculino, mas com infinitos braços, cercando todo o banheiro e quatro pernas grudadas nas paredes. Uma mistura de homem com aranha. No meio dos braços e das pernas distorcidas, um rosto brilhante. Rosto que se destacava no conjunto de membros corporais, que pareciam ser feitos de algo como um líquido preto, mas leve. Uma sombra, mas sem medo da luz. A máscara estava lá, possuindo minha mulher...
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A Máscara Oni
TerrorNa cidade do Rio de Janeiro, a polícia começa a investigar ocorridos que beiram ao absurdo e ao incompreensível. De corpos completamente destroçados, a pessoas que perderam a noção da realidade e começaram a cometer assassinatos sem nenhuma motivaçã...