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Capítulo 2 - IMPREVISIBILIDADE

New Hills, ESTADOS UNIDOS.

31 de dezembro de 2020

Já não era mais a criança que amava passear por New Hills. Por isso, se trancou naquela casa inóspita, tinha crescido e as coisas perderam a graça.

Para Diana, viver se tornou semelhante às épocas de outono. As flores caíram, os galhos das árvores estavam secos e as cores pareciam sem vida por toda a parte. Era dessa perspectiva que suas írises enxergavam o mundo, apesar de o verão não ter chegado há muito tempo, logo após abandonar sua cidade natal.

Depois de um período mais longo do que estimava, notou certa facilidade em jogar os cobertores esbranquiçados para o lado e se levantar.

– Por que não tenta sair um pouco hoje? Vai ter aquele festival na cidade, pra comemorar o ano novo. Tem barracas de comidas, acessórios artesanais, música. Várias pessoas da sua idade saem por aí nessa época, já que são férias.

Anne sugeriu, com a voz doce e o timbre suave.

– Não quero. – Ela nem ao menos moveu os olhos para ver a adulta direito.

– Deveria tentar.

Silêncio total inundou o ambiente.

– Venho te perguntar de novo, mais tarde.

A mulher via nela algo que ninguém mais viu: uma menina, curiosa e assustada, cheia de vida, lutando para ficar de pé. Viu quando a notou molhando os pés na água salgada da praia privada de sua propriedade, nos momentos em que não se desligava do mundo e via as constelações das janelas de seu quarto.

Por isso, não abandonaria qualquer oportunidade que obtivesse de mantê-la caminhando, fosse apenas um passo ou dez.

Deu alguns passos para fora do cômodo, até ter seu nome chamado, a fazendo se virar para atender os desejos da adolescente.

– Sim? – Ela abriu uma pequena fração da porta.

– Me ajude a me arrumar, eu vou... até lá.

Com um singelo sorriso no rosto, Anne a ajudou a se preparar para sair. Já no banheiro, Diana se deparou com o reflexo no espelho. A garota finalmente parou para analisar sua imagem, percebendo que devido à pouca exposição ao sol, sua pele parecia mais pálida que o normal e a vermelhidão que costumava a preencher suas bochechas, havia praticamente sumido.

Encontrava-se bem magra e isso era evidente, as olheiras roxas destacavam os cílios cheios e pretos. Suas sobrancelhas não estavam feitas, além disso, os cabelos escuros com os quais tomava tanto cuidado, estavam emaranhados e longos de uma forma que nunca os deixou crescer.

Não precisava mais daquelas faixas, o ferimento já fora cicatrizado, mas as mantinha por não suportar ver o que se situava por baixo delas. Sempre que as retirava para tomar banho, tornava-se incapaz de esconder a feição de desprezo para as marcas que se fundiram à pele. E Anne com todo o cuidado, a ajudava a entrar na banheira.

– Você acha que lá fora vai ser interessante? –

Quando Diana pareceu finalmente interessada em algo, a sua ajudante não pôde ficar mais contente.

– Claro que sim.

– E se não for?

– Então, você não estava olhando para tudo direito.

Ela tinha seus cabelos penteados com creme, o contato de seus braços do quente para o ar frio fazia com que dor irradiasse pelo comprimento de seus ossos. Por esse exato motivo, tinha dificuldades para se levantar sozinha. Ao contrário do esperado, não fazia uma única reclamação ou expressão que indicasse o sofrimento.

– O que você vai querer vestir?

– Não sei, algo quente. Lá fora deve estar frio nesse horário. – Assumiu, enxugando a si mesma.

A noção de tempo e espaço foi perdida com parte de si, para um inverno longínquo que perturbava suas noites de sono e a acordava em uma turbulência pós pesadelos.

Ficou um pouco surpresa ao receber a calça jeans azul claro de cintura alta, uma camiseta oversize esbranquiçada com o time que torcia a estampando e o boné avermelhado da New Era. Parecia um garoto na pré-adolescência indo assistir um jogo da arquibancada ao lado de seu pai, esperando ansiosamente para que uma bola perdida caísse em suas mãos.

Diana esperava que algo milagrosamente surgisse em sua vida para que as coisas mudassem e saíssem de lugar, implorando enquanto resistia aos dias que passavam. A brisa salgada da cidade a deixou inebriada.

Mesmo sendo de noite, era possível sentir o calor subindo do asfalto, caminhando vagarosamente para entre as ruelas, iluminadas pelo brilho que fugia das janelas. Demorou-se pelas ruas inclinadas e passou entre as casas que devido ao relevo, tinham tamanhos irregulares em relação uma à outra. Ainda que estivesse um pouco longe de onde a população se reunia para comemorar o início de mais um ciclo, era audível o som leve da música misturado ao dos miados de um gato vadio.

Estranhou a sensação de respirar o mesmo ar que diversas pessoas, ouvir vários sons, sentir diversos aromas. Colocou as mãos no bolso e começou a olhar para os pisca-piscas que iluminavam os cantos mais escuros, até enfim se encontrar sob a borda de uma montanha.

Seus pés mal encontraram o público quando diversos flashes foram disparados na direção de Diana, turvando a sua visão, tendo várias das fotos capturadas sem permissão. A imprensa estava posicionada de forma a deixar nítido como já sabiam que ela estaria ali, apesar de a garota não se lembrar em momento algum de terem anunciado sobre esse fator.

– Diana, é verdade que você se afastou da carreira por conta de uma tentativa de suicídio?

– Você se tornou incapaz de tocar piano?

– Você vai morar aqui?

– Quando você vai voltar a tocar?

Ela sabia que a tentativa inútil de tampar o rosto para fugir das atenções não a retiraria dali, no entanto, tentou acreditar um pouco na empatia dos mesmos em compreenderem que não estava confortável com aquilo.

– Por quanto tempo pretende sumir?

A última pergunta foi aquela que havia feito a si mesma por tempo demais, embora não soubesse a resposta. Os seguranças a afastaram daquele lugar, fazendo com que a menina voltasse para casa antes de ter tido a oportunidade de fazer algo diferente.

BAD GIRLS like GOOD BOYSOnde histórias criam vida. Descubra agora