Capítulo 1 - Pior dia da vida

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17 anos. Último ano do colegial. Planejamento para a formatura. Ansiedade para saber qual a universidade a se fazer. Não é incrível como a nossa vida pode estar de um jeito e então, de repente, tudo mudar? Não assusta a efemeridade com que passamos pelo mundo? O que há depois que tudo acaba? O que sobra após a destruição e o caos? O que podemos fazer em 7 meses?

Meu nome é Mia Clare. Sou uma estudante do último ano do colegial. Minha história é, com certeza, uma história incomum para a maior parte das meninas da minha idade, sem querer parecer diferentona. A questão é que, às vezes, a gente se torna diferente mesmo que sem querer. Bem, vou contar a jornada da minha vida para vocês, ou melhor, a jornada da minha morte. Sei que pareceu mórbido e talvez seja, mas é incrível como a vida pode, simplesmente, nos surpreender com coisas terríveis de uma hora para outra. Antes de narrar minha jornada pré morte, eu preciso contar como tudo ocorreu.
    Moro em uma casa de classe média em um condomínio na cidade de Boston com meus pais e meu gato, Salem (como vocês devem imaginar, ele é preto. Me desculpem por ser óbvia e fazer o que todo dono de gato preto faz: dar o nome do gato da Sabrina). Mamãe é dentista e papai trabalha em uma importante empresa de contabilidade, a Deloitte. Posso dizer que, apesar de não sermos milionários, nunca nos faltou nada, e isso com certeza é melhor do que a vida de muita gente.
    Estudo na Mather School, uma escola muito conhecida e conceituada de Boston, fundada em 1639 (sim, eu sei que é velha), que tem como lema "primeiro e melhor" e lá, fiz meus melhores amigos: Rachel Alejandra Gómez, uma menina de ascendência mexicana com longos cabelos e olhos negros e pele morena, e Julian (ou Jules) Austin, meu melhor amigo e, por algum tempo, crush platônico. Quando conheci Jules, ele era só um menino baixinho e fofinho, com seus cabelos castanhos claros sempre desarrumados, mas quando cresceu, ficou lindo. Ele andou malhando um pouco, então ficou forte, seus olhos verdes cor de oliva se destacaram em seu rosto que, então, passou a ter um formato mais quadrado e menos infantil, além do fato de que, de repente, ele passou de 1,58 para quase 1,90 de altura. Enfim, tudo isso, mais os hormônios, fizeram com que, por alguns meses, eu sentisse um crush absurdo em Jules, mas isso ficou no passado. Quanto mais tempo juntos ficávamos, mais eu percebia o quão nós dois juntos não faríamos sentido.
    Dois dias antes do pior dia da minha vida, eu estava no refeitório da Mather School sentada, como sempre, ao lado de Julian e Rachel. Era outubro, estávamos no início do outono e do ano letivo, e só falávamos de uma coisa:
          - Com quem vocês vão ao baile de formatura? - disse Rachel, enquanto mordia um pedaço de seu sanduíche de peito de peru.
          - Dê um tempo, Rach - respondeu Jules. - Ainda faltam oito meses. Quem sabe o que ainda pode acontecer nesse período?
    Ah, Jules... eu queria que você não estivesse tão certo quanto a isso. Eu estava calada no dia. Não vinha me sentindo bem havia alguns dias, mas me forcei a acreditar que era só a ansiedade com o início do ano letivo e com o fim do colegial.
          - Você está certo - concluiu Rachel. - Só estou aqui pensando que este é um momento importante para nós e eu não quero passar meu baile de formatura sem um par, abandonada, comendo um cachorro quente da esquina com vocês dois. Sabe, quero algo memorável. Não concorda comigo, Mia?
    Estava tão concentrada em não vomitar meu sanduíche natural que nem prestei atenção no que Rachel disse, apenas concordei.
          - Annn.... sim, você está certa.
    Rachel e Jules se entreolharam e pelos olhares trocados, notei que minha aparência devia estar péssima.
          - Você está bem, Mia? - perguntou Jules.
          - Sim, por quê?
          - Bem... seu nariz está sangrando - disse Rachel, alarmada.
    Levei o indicador até o nariz e ele voltou sujo de sangue. Arregalei os olhos e corri direto para o banheiro. Fazia tanto tempo que eu não me sentia bem de verdade que eu já não me lembrava qual havia sido a última vez em que eu não havia fingido estar bem.
    Nos últimos 3 meses, não havia um dia sequer que não passava mal, sentia muitas náuseas, dores de cabeça e no corpo, febres que iam e voltavam... mas que eu escondia de todos para não se preocuparem. Tomava um antitérmico ou até mesmo um antibiótico, fiel de que poderia ser uma infecção, e, por algum tempo, passava, mas havia se tornado insustentável. Eu precisava de ajuda, sabia disso, só não queria admitir.
    Assim que cheguei no banheiro, meu estômago deu uma cambalhota tão grande que era como se ele pudesse sair do meu corpo. Só tive tempo de levantar a tampa do vaso sanitário antes de devolver todo o meu sanduíche natural misturado com sangue. Fiquei parada. As pessoas deveriam vomitar sangue? Ou até mesmo terem sangue jorrando do nariz? Encarei a cena por alguns minutos até que uma batida na porta do banheiro interrompeu meu momento de pânico. Era Rachel, desesperada, perguntando se eu estava bem. Abri a porta do banheiro e desabei no chão de exaustão, Rachel ao meu lado afagando meu cabelo e dizendo que estava tudo bem.
          - Vou chamar seus pais - ela concluiu, ainda afagando meus cabelos lisos e castanhos.
          - Rach, não se preocupe, não é nada - ambas sabíamos que era mentira.
          - Eu sei que você é durona e não gosta de ajuda, mas não vou deixar você desse jeito, Mia. Você vai voltar para casa com seus pais e vai ao médico o mais rápido possível. E isso não é uma sugestão, é uma ordem.
    Não protestei. Uma coisa que aprendi ao longo dos anos é que com Rachel Alejandra não se discutia. Ela era persuasiva e teimosa na medida exata e não havia nada que mudasse sua ideia quando esta se estabelecia em sua cabeça. Não que eu fosse protestar, de qualquer forma. Sentia o gosto de ferro na boca e sabia que se falasse qualquer coisa, vomitaria de novo, então assenti, deixei que Rachel me guiasse até o lado de fora do banheiro onde Julian aguardava agitado. Ele me olhou com um misto de alívio e preocupação, mas não disse nada.
    Rachel ligou para a minha mãe, que atendeu no segundo toque, explicando o ocorrido, enquanto Jules pegava minha mão e desenhava pequenos círculos na palma para me acalmar. V-A-I-F-I-C-A-R-T-U-D-O-B-E-M, ele escreveu na palma, e eu dei um sorrisinho. Quando estávamos com 13 anos, ele não era uma das pessoas mais falantes da turma e sequer se dava tão bem com Rachel (que sempre foi extremamente comunicativa), então eu era o ponto de equilíbrio entre os dois e também, a melhor amiga de Julian. Muitas vezes, quando não conseguia se expressar, escrevia na minha pele o que queria dizer, e desenvolvemos essa forma de comunicação não verbal que irritava Rachel pois ela não participava desse mundinho só nosso. Era estranho, mas Jules e eu tínhamos um mundinho particular onde só nós mesmos conseguíamos acessar e nenhuma outra pessoa, por mais amiga que fosse (como Rachel), entenderia. Porém, Rachel era minha melhor amiga mulher e confidenciávamos coisas uma para a outra que nem mesmo Jules sabia.
    Rachel e Jules ficaram comigo até minha mãe chegar na escola, com o olhar preocupado. Troquei poucas palavras com eles, só o suficiente para me despedir, e entrei no carro. Não quis conversar. Não estava bem o suficiente. Naquele dia, quando cheguei em casa, subi pro meu quarto e não desci mais. Não queria comer, não queria beber água, não queria nada, apenas dormir, e pelo resto do dia, e por boa parte do dia seguinte, foi exatamente o que fiz.

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