A chuva havia aumentado bastante e não dava indícios que iria embora tão cedo, o chão completamente encharcado dificultava meu objetivo de dirigir com um pouco mais de velocidade e aquela estrada excepcionalmente escorregadia não ajudava em nada. Tateei o painel do carro até encontrar o botão do rádio, precisava de algo para me distrair. Fui pulando as estações até encontrar uma que estivesse funcionando, infelizmente parece que a chuva daquele dia tinha atrapalhado todo tipo de conexão, então tive que me contentar com o som dos pingos que caiam agressivamente sobre o carro. Esse, no entanto, parecia uma sauna de tão quente, ou talvez seria o efeito dos ânimos das duas pessoas ali dentro. Ela parecia calma ao meu lado, tão calma que me deixava nervosa, na verdade acho que calma não era a palavra certa, mas sim tensa, estava tão tensa a ponto de não conseguir se mexer. Tentei não pensar muito no que estava acontecendo, no problema que ocasionou nossa retirada às pressas, mas era quase impossível, meus pensamentos sempre acabavam se voltando inteiramente para aquela situação e em exclusividade para ela, que não havia dito uma palavra sequer desde que me encontrou em casa com um pedido urgente e silencioso para sairmos dali. Cada segundo a mais eu achava que meu coração fosse parar, ela não me pediria nada se não fosse extremamente necessário, e eu sabia que alguma coisa errada tinha acontecido, mas achei melhor esperar e dar um tempo a ela para decidir quando me contar. Virei na direita em uma rua estreita que dava a lugar nenhum, ou pelo menos a nenhum lugar que eu conhecia, tentei manter as mãos firmes ao volante, apesar de precisar manter um tremendo controle mental já que aquilo era como tortura psicológica para mim, e o tempo, nada contente, decidiu naquela noite alinhar seu humor ao nosso, o que só piorou tudo, pois era difícil para mim tentar manter a atenção na estrada molhada e ao mesmo tempo nela ao meu lado. Sentada ereta, quase petrificada, com os olhos voltados para suas mãos que estavam juntas sob seu colo, ela usava um moletom verde com figuras de girassol e seu cabelo preto cacheado estava descabelado, o que me deixava mais preocupada ainda. Ela piscou uma vez e se virou para mim, os olhos em lágrimas, parecia sentir tanta dor que quase pensei em virar de volta e socar a cara daquele desgraçado, eu sabia que tinha sido ele, não sabia o quê ainda porque ela não tinha me dado muitos detalhes, mas eu sei que tinha sido ele. Ela pareceu ver o ódio crescendo dentro de mim e virou a cabeça para o lado.
— Você está bem? — perguntei com cautela, com um olho no retrovisor e outro na estrada, ao mesmo tempo que me esforçava para enxergá-la pelo meu canto do olho.
— Estou ficando — ela respondeu quase como um sussurro, parecia em choque, o quer que tenha sido foi o suficiente para deixá-la naquele estado e eu senti a dor crescer em mim tão forte quanto minha raiva. Não importa o que tinha acontecido, nós não voltaríamos mais aqui, nunca mais pisaria nesse lugar com ela novamente. Quando as coisas melhorassem eu voltaria sozinha e faria ele pagar.
— Tudo bem, vamos esquecer isso. Não do que ele fez, isso não vou fazer, ele vai me pagar por ter feito isso com você, juro que vai.
— Não! — ela respondeu um pouco mais alto do que eu esperava — por favor Bruna, ele vai machucá-la também.
— Não posso ignorar isso — respondo áspera.
— Por favor, deixe isso para lá, vamos embora daqui e só esquecer tudo, por favor? — Aquele olhar me desmanchava sempre, eu jamais negaria qualquer pedido a ela, nunca. Eu faria de tudo para ficarmos bem novamente, não a perderia nunca mais.
— Como quiser, mas preciso saber o que aconteceu, preciso mesmo, estou agoniada em te ver assim, fale comigo — implorei, pois naquele momento não sabia o que tinha acontecido, não entendia a causa de sua dor para tentar ajudá-la e aquilo me matava.
— Não sei se você vai reagir bem — ela respondeu ainda tímida, fiquei incrédula com sua insistência em omitir o que houve, como se fosse melhor só fingir que nada aconteceu e começar tudo novamente. Deslizei a mão para um dos botões do carro e abaixei os vidros para respirar melhor, pois sentia que eu poderia sair fora do controle, costumava fazer isso com certa frequência. Os pingos logo cobriram meu rosto, mas não estava adiantando, não conseguia controlar minhas emoções. Percebi que o carro estava mais silencioso, me viro e vejo que ela está encarando suas mãos novamente, parecia refletir sobre alguma coisa, não escutava mais ela fungar, por isso o silêncio repentino, aquilo que me deixou em alerta. Por fim ela levantou a cabeça e enxugou uma lágrima que escorria pela sua bochecha direita, se virou para mim com um novo olhar, parecia raiva, ódio, talvez necessidade de justiça e disse triste:
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Composição Perdida
RomanceBruna está em São Paulo há um mês, mas ela não se lembra do que aconteceu desde que chegará, lhe disseram que era perda de memória devido ao seu quadro de depressão pelo luto que sofria com a morte da tia. Sem entender o que estava acontecendo de fa...