Capítulo III

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Ocorreu a ela, instantes depois de ter seus lábios tomados por Vincent Price em um desejo fervoroso, num lampejo de boas-maneiras, do tipo que seria capaz de criar arrependimento, logo depois, que talvez seu perfeito julgamento tivesse algum defeito.

Não era possível que seu momento mais lúcido fosse o mais insano.

A boca de Vincent devorava-a em movimentos macios, sua língua desbravando seu sabor, desenhando a forma de seus lábios, mordiscando-a conforme as mãos, talvez sua parte mais libertina — até então — tomavam-lhe o seio direito.

Charity só poderia ser, além de impetuosa, uma devassa. Talvez todas as damas fossem, em algum momento, e aquele era o seu. Não conseguiria abandonar a pulga atrás de sua orelha, que lhe dizia que estava a cometer um erro terrível, e que todos descobririam o que estavam fazendo a qualquer instante, mas poderia ignorá-la e aproveitar o máximo que pudesse.

Se os prazeres da vida eram finitos, então que ela transformasse aqueles segundos em eternidade.

Oh, céus, ela desejava que o para sempre fosse marcado pelos beijos de Vincent Price e suas palavras insensíveis. Havia algo de feroz na maneira em que a possuía, mas ainda assim, sentia-o se conter em certos momentos.

— O que foi? — perguntou ela entre um suspiro quando o viu se afastar.

— Não posso tomá-la aqui...

Como uma vela a ser assoprada, os ânimos de Charity poderiam ter se extinguido naquele instante, mas um mero sopro não poderia conter a brasa que queimava dentro dela. Que a fazia ter perfeita noção do seu sangue correndo pelas veias. Mas aquela frase... lhe provocou uma sensação em nada agrável.

Fora recusada por lorde Stevenson...

Também o seria pelo duque?

Parecera uma perspectiva a se considerar, afinal, o que havia nela de tão atrativo, a não ser sua castidade? Charity era bela, mas... quantas beldades não havia pelos salões? Era inteligente, porém capacidade de raciocínio não se aplicava ao que faziam.

Mas a srta. Blunt, acima de tudo, era um risco. Claro que o era, e talvez ele percebesse que o flerte inconsequente que tiveram não valia as chances de serem forçados a se casar.

Isso seria catastrófico a um libertino, e conhecendo a viscondessa, que apesar de sonhar com a possibilidade da filha se tornar uma duquesa, sabia que jamais aceitaria um matrimonio com aquele duque.

Ou seja, Charity, de fato, terminaria arruinada.

Ocorreu a ela, no entanto, que o duque flertava com muitas outras damas, isso era certo, então questionou-se se aquela fosse uma reação premeditada. Ele estaria brincando com suas expectativas apenas para vê-la implorar por seu corpo?

Charity tivera seu orgulho quebrado, mas não estava desesperada a tal ponto de engolir os cacos e senti-los rasgando sua garganta.

Se Vincent Price a queria implorando, que o fizesse sentado!

O que deveria fazer? Como prosseguir? Seu ímpeto de abandonar a perfeição tediosa que a cercava, por uma noite, corria o risco de ser desfeita...

Não poderia deixar que acontecesse.

— Vai chorar?

A voz dele atraiu-a de seus devaneios.

— C-Como é? — Ouvir sua rouquidão a fez estremecer, como se o som trouxesse à pele as lembranças ainda frescas de seus beijos.

— Está com uma feição estranha, imploro para que não chore, ou a deixarei aqui imediatamente — alertou impaciente. — Não posso tomá-la aqui...

Um herdeiro inesperado (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora