Capítulo IV

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Não seria completamente incorreto os pensamentos de alguém que considerasse a residência da família Blunt em Mayfair um atrativo para a Temporada e o desejo da viscondessa de Weymouth, Loretta Blunt, de casar a única filha o mais urgentemente possível.

Contudo, seria um pensamento limitado.

A família Blunt ali escolhera se estabelecer pelo fato de que o chefe da família, Samuel Evans Blunt III, estava morrendo.

O pobre setuagenário de bom coração sofrera de enfermidades que o fizeram morrer em sua cama, sem que sua filha ou esposa pudessem evitar. Chamaram os melhores médicos da capital, foram aos melhores boticários e criaram unguentos e elixires que desafiavam quase a alquimia, mas nada contornaria seu inevitável fim.

Seu único desejo era ter visto sua filha ao lado de um bom cavalheiro, de tradicional família e longe de qualquer escândalo. A perfeita Charity Blunt. Poderia se considerar, então, que os dias em ócio e enfado da garota se originaram de sua última vontade, mas o fato era que a garota, até então, apreciava a vida que levava.

Era monótona.

Era segura.

As certezas de seu destino pareciam definidas... até que lorde Stevenson lhe provou o contrário, a renegou e ela se perdeu em uma espiral de loucura na noite anterior. Oh, sim, ela não estava em seu perfeito juízo, concluiu antes mesmo de se deitar.

Era melhor já acordar com a mentira com a qual dormira no travesseiro.

Como era o ditado? Repita uma mentira em um tom amável vezes que forem necessárias e veja-a se tornar verdade? Talvez não fosse exatamente assim, e a precisão não lhe parecia uma grata amiga, mas a verdade era mais simples: ninguém além dela e o duque de st Albans sabia sobre o que ocorrera.

E nenhum deles estava disposto a romper tal sigilo. Isso garantiria o status para ambos, e o alpinismo social pelo qual suas famílias tanto trabalharam permaneceria como deveria.

Se Charity não tivesse seus valores tão certos, e abominasse as armadilhas que mães criavam a pobres cavalheiros — embora eles não fossem tão inocentes assim, ela tinha de levar em consideração —, poderia armar para o duque.

A verdade é que nunca pensou que pudesse ter um título muito maior do que o de sua mãe. Como filha de um visconde, considerou que talvez acabasse casando-se com um de seus primos, baronetes, ou algum lorde de patente comprada.

Com os conflitos de Napoleão por todo o continente, foram muitas as oportunidades que surgiram.

Se estivesse desesperada, já teria se contentado com algum deles, mas sua mãe prometera, sobre o túmulo do pai, que iria lhe dar a chance de encontrar alguém que lhe agradasse antes de tudo.

Lorde Stevenson era, de fato, um homem agradável. Monótono, por vezes rude, mas sem intenção, com certa aspiração para prosas e um olhar curioso sobre a própria classe, na qual já nascera num berço de ouro.

Ele seria perfeito e Charity se acomodou.

Fora este seu erro? Acomodar-se? Tomar tudo por seguro a tal ponto de desejar o perigo assim que lhe tiraram seu chão?

Vincent Price fora uma sandice perigosa que a atormentaria ainda por muitas noites, mas ela tinha certeza de que não era a única a remoer ações impensadas. Na sociedade, era assim que as coisas obscuras eram feitas. A elite não misturava seu sangue, evitava escândalos, ainda que estes movimentassem a maioria das soirées, e ser vendida a um nobre deveria ser a maior das honrarias a uma jovem.

Porém onde está a nobreza em ser menos cobiçada do que um pedaço de terra?

Um pedaço de terra que, aparentemente, nem queriam comprar?

Um herdeiro inesperado (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora