Capítulo 8

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DARLAN MANSFIELD

Horas se passaram, eu me livrei de todo aquele suor primeiro, no banho. E só quando já estava nos últimos preparos para o jantar, ela saiu. Costumava levar as roupas para o banheiro e impedir a tal cena constrangedora com a toalha.

- Precisa de ajuda? - Ana se aproximou, meu olhar a percorreu de cima à baixo no primeiro e breve segundo. O arrependimento imediato surgiu, assim que notei que ela havia notado. Meus pensamentos se ocupavam na razão da expressão confusa dela. Devia estar se perguntando como pode ser atraente com um suéter duas vezes maior que o seu corpo. Apenas uma boba suposição, sobre alguém completamente atraente.

- É claro que não. - respondi, retornando minha atenção ao fogão.

A recusa tão gentil foi necessária, eu servi a comida em dois pratos logo depois.

- Como prometido.

Nos sentamos em cadeiras próximas, na pequena mesa de jantar.

- Espero que essa macarronada seja tão boa quanto sua autoestima.

Isso não começou de forma trágica, pelo contrário. Surpreendentemente, Anastácia era divertida.

Ela segurou um dos garfos e começou a comer e quando retornou o olhar para mim, eu ainda estava parado. Que droga, Mansfield.

- É boa, nada tão especial no sabor, mas é aceitável.

Retiro o que disse, ela não era nada divertida.

- Então, era esse o seu assunto importante? - essa altura eu já me odiava por esquecer de baixar a guarda no começo.

- Não...

- Antes de começar, devo lembrar que meia hora atrás eu disse que era uma péssima idéia me conhecer. - ela fez menção para falar e eu a interrompi, novamente. - E que a gente não confia um no outro, por motivos óbvios.

Quis deixar claro que seja o que fosse, era uma péssima ideia. Apesar de eu estar me acostumando com ideias ruins.

- Motivos óbvios, tem certeza? Não quero brigar, só preciso de uma conversa honesta.

- Da última vez que fizemos isso, nós brigamos!

- Da última vez nós não terminamos de falar. Me contou sobre sua infância e um pouco da sua adolescência, foi um resumo insuficiente para que eu compreendesse a pessoa que está na minha frente agora.

Cruzei os braços, encarando-a. Sendo sincero, não esperava nada além que uma discussão à seguir.

- Então, quais crimes você quer que eu confesse?

- Me conta uma coisa boa.

- O quê? - ela não repetiu e nem precisava. Eu apenas não esperava bondade à essa altura. Eu respirei fundo, olhando em volta e busquei aceitar a lembrança invadir minha mente da melhor maneira possível. - Quando meu pai ia até meu quarto toda noite, para conversar. Aquilo me acalmava pro dia de treinamento seguinte, eram sempre conversas bobas, mas eu adorava ouvir ele e poder responder de volta tão facilmente. Eu não era pior ou melhor nessas conversas. Não precisava impressionar ninguém, só precisava corresponder.

- Eu entendo, meu pai era assim. Deve ser por isso que eles eram tão bons amigos.

Nós quase sorrimos. Porém saber como aquilo havia acabado...

- Foi a épocas atrás, muita coisa mudou. Depois que ele ficou doente, Aaron e eu ficamos bem próximos, ele se dedicou a me ensinar, eu a aprender e a realizar com quase perfeição cada barbaridade. - falei. - Aquele Darlan que você conheceu há algum tempo atrás, com o belo extinto protetor, não era verdade, não completa. Eu matei, torturei e passei as noites de folga ocupado com garotas, fui um Mansfield exemplar! Até que começou a chegar novas informações sobre você. Eu li aquilo centena de vezes.

- O que você sabe?

- Sei que sua casa era bem chique, não tinha amigos próximos, ganhou sua marca Roux aos 18 anos e só participou de uma missão.

- Espera, isso era somente sobre mim?!

- É, algo assim. A única coisa que me importa é o quê de tão ruim você pode ter feito pra participar apenas de uma missão?

- Nada, eu fui ótima. Me proibiram depois com péssimos argumentos.

Okay, isso era engraçado. Não a longo prazo, pelo visto. Ela tinha toda a atenção, o tempo todo...

- Ana?

- O que?

- Me conta uma coisa ruim.

Ela entendeu que aquilo era sobre a família quase perfeita dela, e também, pelo paralelo absurdo com a minha família.

Ana se encolheu na cadeira, buscando aconchego de seus braços.

- Charlie Carson e Morgan Roux passaram por muitas coisas ruins, já fizeram muitas coisas ruins e eles alcançaram a redenção. Grande parte disso por mim. Mas amar tanto alguém não é nada bom algumas vezes, o que isso faz com você... - Ana fechou os olhos brevemente, já em notável tristeza. - Eu olhava em volta e apesar de toda felicidade, nunca parecia bastante. Nunca estávamos satisfeitos. Eles mereciam muito mais do que esconderijos, eu mereço isso, eu... Eu sei que sou uma bomba relógio.

Nós levantamos quase que ao mesmo tempo. E ignorando todos os fatores, inclusive o de que ela iria embora.
Eu a abracei.

- Era assim que devia ter acabado nossa última conversa honesta. - disse, passando uma das mãos pelo seu cabelo. Lutando contra minha própria consciência, que me repreendia. 

Anastácia ficou com a cabeça apoiada em meu peito, e me importar sobre aquilo era uma surpresa para mim também, nunca havia dado tanta atenção assim para uma mulher antes. Eu sei que era diferente, sei que seus problemas ou qualidades não deviam ser comparados à qualquer uma.

- Eu ainda tenho perguntas para fazer amanhã, Mansfield.

- Estarei aqui.

Eu assisti ela se afastar e seguir até o fim do corredor, senti alguma espécie de sentimento bom em conflito com o ruim. Sabia que o mal sempre estaria comigo, mas alcançar um certo progresso devido aos meus limites afetivos era algo completamente tentador.

E eu não pude deixar de me perguntar: E se eu cedesse à tentação que ela é?

Um tempo depois eu fui para meu quarto também. Tirei a blusa, depois os sapatos, então deitei na cama e não tive muito tempo para repensar sobre tudo de hoje na minha cabeça, porque eu, surpreendentemente, adormeci.

Eu sentia o cheiro do suave perfume dela ainda sobre mim, mas algo melhor me fez acordar, sua voz.

- Ainda tem algo que tenho que fazer. - ela caminhava devagar até chegar perto. - E não posso deixar pra amanhã.

Eu sentei na cama e ela me abraçou, contudo, sentando-se em meu colo.

- Ana... - eu comecei a ficar ofegante enquanto tentava descobrir o que devia fazer.

- Você precisa me amar.

Eu a beijei da forma mais intensa que conseguia. As mãos empurrando e puxando suas coxas com força, rebolando por cima do maldito jeans. Era um pouco assustador o quanto eu queria isso e sempre, sempre muito mais. Eu a beijei, mas pensava no momento em que o único tecido próximo seja os lençóis. Seus lábios, sua língua, seu corpo inteiro começou a me possuir de tal forma que eu duvidei que aquilo era real.

Descobri que estava certo quando abri os olhos e Anastácia estava lá, próximo à porta. De pijama colorido.

- Tava sonhando comigo? - ela questionou, segurando um prato com macarronada em suas mãos. - Você disse "Ana".

- Foi um pesadelo, um dos piores que eu já tive. - menti, a pele molhada de suor, iria me recompor assim que ela fosse embora. - Espera, pensei que tivesse odiado a minha comida.

- Não odeio, disse que era aceitável, inclusive agora.

Situação completamente desconfortável, irei fingir que nada disso aconteceu amanhã.

- Tá, boa noite.

- Tchau.

Mansfield - Destino MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora