3. Capítulo Três

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Resolvi transferir meus pensamentos para algo diferente da minha vida de desgraças. Pensei numa realidade totalmente da coisa patética que precisava viver atualmente, deixei de prestar atenção na dedicação que eu tinha que fazer naquele trabalho na floricultura de minha mãe, o bendito trabalho com minha família e, bom, tudo que eu vivia todas às sextas-feiras a noite.

Caminhava, eu e o homem de trajes pomposos pelo corredor longo com detalhes em dourado, paredes em vermelho escuro e iluminações leves de lâmpadas amareladas a cada dois metros de distância. O silêncio era tão ríspido que poderia até perfurar, acho que nada de bom teria para ser descrito nesse momento. Se fosse possível eu já teria saído correndo da casa de shows em passos tão apressados que nenhum maratonista poderia definir. Sempre, sexta sim e sexta não, era infalível. Mesmo homem, com roupas chiques, a mesma máscara de onça, perfume tão bom que se parecia até com um bálsamo bem conservado. Mal falava sobre sua vida, e também não me interessava. Simplesmente tinha medo dele, e sempre vinha armado quando tinha que lidar com o homem-mascarado-engomado-rico, mesmo que até que se provasse o contrário ele me era inofensivo.
Quando descobri que teria um novo cliente me permiti passar por um teste com ele, pondo em conta que eu já não tinha lá aquelas outras alternativas e enfim aceitei. Passando pelo experimento eu aguardava que pedisse que eu tirasse a roupa ou que eu até fizesse algum tipo de fantasia sexual que fosse de seu agrado, porém ele só fez um único e simples pedido: ele implorou que eu cantasse. Mas implorou mesmo, porque eu nunca quis aceitar serviços daquele homem por algum motivo que meu interior pedia, só que a fome gritou mais alto em meu estômago quando ouvi sua proposta de aumentar o dobro da minha oferta mais um espaço isolado na academia da boate para que eu ensaiasse sem ser incomodado. Por dias e dias à fio fiquei me perguntando se havia ficado obcecado pelo meu canto, e mesmo com medo das probabilidades estourarem para cima de mim, aceitei. Não era só em prol de mim que eu precisava desse dinheiro, desse maldito e sujo dinheiro.

Percebi que sibilava para que eu abrisse a porta do quarto com minha chave e assim o fiz, ''Se acomode como quiser, eu só preciso de um minuto", talvez ele ficasse envergonhado ao saber que infelizmente conhecia tão bem meus clientes que eu sabia que se afastava de mim para chorar. É, se debulhar em lágrimas. No meio de uma sessão que, tecnicamente deveria ser para que ele aliviasse seu prazer com uma pessoa desconhecida, ele chorava. E fazia isso tão contido que nem emitia um único barulho sequer enquanto choramingava como uma criancinha desamparada que foi separada de seus pais. Eu já havia estranhado quando o vi fazer isso antes, mas agora eu categoricamente lhe ignorava sempre - e suas lágrimas também. Mesmo que de modo muito egoísta, eu não fazia um pingo de questão que fosse de questionar seus motivos de tanta chateação. Não era meu problema, e graças aos céus que não fosse, já precisava carregar minha família e complicações com dinheiro em meus ombros, já me bastava tudo que eu tinha responsabilidade. Além do que, ele era rico. Não tinha do que reclamar, sempre teve a garantia de ter sua comida na mesa quando precisasse e, provavelmente, pessoas o suficiente até para que a comida servissem-lhe na boca. Eu estava naquele quarto à fins profissionais e assim ficaria.

Depois de seus longos minutos de lágrimas o homem, de aproximadamente cinquenta anos de idade voltou com a metade de baixo do rosto totalmente vermelha como se nada houvesse acontecido. Fungava bastante por debaixo de sua máscara toda cravejada em diamantes e detalhes em ouro. Por Deus, se não fosse pecado - e totalmente fora de minha índole, eu lhe tomaria a máscara só para mim. Sei que de modo algum faria sequer cócegas em seu bolso, e pensar assim me deu mais um motivo para detestar sua companhia que doía, de tão mesquinha que eram as futilidades de pessoas ricas. Mesquinha. Totalmente mesquinha. Talvez - lê-se quase com certeza, que merecia sim aquele sofrimento desbalanceado. ''Me perdoe a ausência, tratava de coisas muito importantes" Me questionei do porque da desculpa tão mal pensada. O que de tão importante alguém faria por tanto tempo num banheiro sem um aparelho telefônico além de usá-lo em necessidades? E eu tinha a absoluta certeza que não passaria tanto tempo assim usando o vaso e limpando-se pelo que sujou. Maneei a cabeça com um "sem problemas" implícito, aparentemente ele compreendeu. "Se agora puder, bem, eu digo se estiver apto a isso... Poderia cantar para mim?" Apenas assenti e me sentei no sofá que dava de frente para um divã aveludado a frente da cama. Lá se sentava o homem mascarado, com os músculos do tórax tão flexionados que se continuassem desse modo poderiam se romper graças a tanta força. Tentei passar a imagem confortável também, bem capaz de ter falhado humilhantemente; não estava, não estive e nem nunca vou estar confortável com essa situação. Esse emprego. Essa vida.
Limpei a garganta e engoli sutilmente, respirando fundo para relaxar meus músculos todinhos rígidos por dentro do paletó classudo. "Desejo que cante uma coisa sua. Só quero ouvir sua voz." Confirmei com a cabeça outra vez, confirmando que assim o faria. Me concentrei apenas em minha voz, e em como a música sairia pela minha garganta.

Efeito Azul Celeste • JJK + KTHOnde histórias criam vida. Descubra agora