4. Capítulo Quatro

1 0 0
                                    

**

Uma visita da família real.

Parecia até um escárnio ter que recebê-los no comércio da minha família, justo o homem que, se não tivesse despachado meu pai como algo tão substituível por qualquer coisa, ele ainda estaria vivo por não ter basicamente se matado de tanto trabalhar. E pior, recebê-los aqui no aniversário de morte dele. Só podia ser uma piada. Mas aquela piada de mal gosto, que tenho certeza de que foi uma droga de piada totalmente bem pensada. Aquele tipo de piada onde você sabe que o efeito que é para se causar é dor, incômodo e raiva, muita raiva. Se eu pudesse jogaria todas as verdades que em minha boca cabiam, lhes ofenderia por tantas horas que não restariam xingamentos no mundo a dirigir aqueles riquinhos mesquinhas. Todos os seus trajes feitos sob medida e seu tom de voz empolado, suas mentiras, suas farsas, seus sorrisinhos ladinos para as câmeras fingindo ser a melhor família do mundo. Meu corpo fulminou, mas meu rosto dizia outra coisa, eu estava sorrindo. É, sorrindo. Sorrindo para meus potenciais clientes que iriam pedir arranjos de flores para sabe-se lá o quê. E dentro dos parâmetros possíveis, quisera eu não soubesse. Eu saberia demais, e teria de saber afinal, seria eu o maldito encarregado de arrumar as coisas para eles. Engoli todo meu ódio e suspirei, projetando as palavras que há mais de três anos eu falava com ânimo. A diferença era que hoje eu falava com amargura.

— Bom dia — precisei de tempo para agir como um funcionário bom e eficiente — Em que posso ser útil?

O menino, que julgava eu ser filho do casal pelos traços tão semelhantes, franziu o cenho, não entendi o porquê.

— Bom dia menino — a mulher de traços americanizados ressoou. Infelizmente teria que admitir que a classe irradiava pelos seus poros — Eu e meu marido gostaríamos de fazer uma encomenda de flores. Muitíssimas flores. E arranjos. E tudo a mais de bonito que vocês produzirem aqui.

— Certo. Os senhores tem algo em mente?

— Bem — ela passeou pela floricultura de forma graciosa, fazendo o barulho cordenado de seu salto-alto ecoar pelo espaço — Eu penso em algo ousado e sofisticado. Alguma coisa que grite poder, uma coisa inédita. O que acha, querido?

— Você pode decidir tudo, minha querida. — o rei, que parecia cansado pelo tom de voz que falava com sua esposa, simplesmente jogou a situação para responsabilidade da mulher.

— Certo! Então eu vou querer fazer o seguinte — e depois ela falou com toda a disposição do mundo, o que foi triste, porque o que eu pensava era simplesmente no como eu tinha antipatia com sua família.

Ficamos cerca de uma hora planejando todas as coisas sobre os arranjos e como a decoração ficaria, precisei esperar ela falar sobre tudo que imaginava e que desejava para sua festa só para depois delimitar um orçamento correto. Até que a moça era simpática, o problema não era ela, quem dera fosse. Mas sim o problema era com quem ela estava e o que ela acompanhava. Meu pai havia morrido, provavelmente por um câncer de magoa, visto que pelos diagnósticos não se tinha nenhum motivo porque do resultado para aquele tumor em seu cérebro. Era um homem saudável, dormia bem, não tinha vícios ou muito menos caiu ou se meteu em uma briga. As coisas passaram a dar errado demais graças a perder as oportunidades no antro da monarquia. O rei — quem para mim acabou despertando a morte em meu pai com tamanha traição, estava vivo, ainda comia do bom e do melhor, ainda tinha sua esposa e estava aqui para acompanhar seu filho. Outro que provavelmente caminharia para o mesmo antro de perdição que seu pai, afinal filho de rei, príncipe é. Meu pai morreu por culpa da monarquia. Ele não admitia, e nem iria querer admitir, mas estava triste. Estava com depressão. Ficou mal e frustrado por ser jogado no lixo como uma simples fruta podre, isso quando queria apenas casar com a sua amada. Proporcionar amor e carinho à quem amava, ter uma família e colher frutos com a sua mulher, direito de qualquer homem. Com isso consequentemente desencadeou amargura, magoa e tristeza por ser trocado por quem jurava ser seu melhor amigo. Foi afundando, mesmo que lentamente. Mesmo que com sua família, mesmo com a probabilidade de dar tão certo e ser tão feliz com alguém cujo gostasse tanto. A sensação de ter sido jogado fora com certeza arrastou meu pai a depressão e com isso o tumor. E do tumor, a morte. Meu estômago embrulhou, e chacoalhei a cabeça, voltando a realidade.

Efeito Azul Celeste • JJK + KTHOnde histórias criam vida. Descubra agora