O chão estremeceu. Eram os alemães. Sophie entrou em pânico, ficou parada no meio do quarto a olhar para a janela. De repente, Pierre, que estava na sala a ouvir a radio, entrou no quarto dela e puxou-a para debaixo da cama, tentando protegê-la. O barulho era ensurdecedor, Sophie colou-se ao amigo e tapou os ouvidos, implorando para que tudo aquilo fosse apenas um sonho.
Subitamente, tudo parou. O silêncio imperava. Pierre levantou-se, mas fez sinal para que ela ficasse onde estava. No entanto, Sophie não obedeceu e desatou a correr à procura dos pais que apareceram por de trás do balcão da cozinha com o irmão dela, Paul. Abraçaram Sophie com força e encheram-na de beijos. Porém, depois de tudo, perguntaram-se "E agora?".
Pierre apareceu com uma cara de pavor. Tudo aquilo significava o fim para ele, pelo menos, o princípio do fim. Sophie abraçou-o, ele não se mexeu, ficou petrificado a olhar para o vazio.
Durante cinco minutos, eram só eles os dois. Sophie levou-o para a casa dele, que era no piso de baixo. Os pais não estavam na altura, por isso Pierre não teria com quem ficar. Sophie achou por bem fazer-lhe companhia e deitou-o no sofá com uma manta e uma chávena de leite morno, embora soubesse que não ia compensar por tudo o que ia acontecer.
- Obrigado... - sussurrou.
- Não tens de quê. Afinal era o mínimo que eu podia fazer, tendo em conta que... - Sophie não quis acabar a frase e arrependeu-se logo de ter trazido aquele assunto ao de cima.
- Que daqui a uns dias é provável que eu vá para um campo de concentração e trabalhar até apodrecer? - respondeu ele, fintando os olhos dela.
- Tu achas que és o único que se sente assim? Achas que por eu não ser como tu que vai ser mais fácil? Eu não tenho nada a ver com a raça ariana! - Sophie tinha razão. Embora ela fosse francesa de nacionalidade, ambos os pais tinham origem espanhola e mudaram-se para França quando ela tinha dois anos. - Olha para mim! Tenho o cabelo preto e pele morena. Vou parar exatamente no mesmo sitio que tu! - Ela apercebeu-se do que tinha acabado de dizer. Ela ia para um campo de concentração, não pela religião dela, mas pela maneira como ela era. E não era a única, a família dela, o pai, a mãe e o irmão de dez anos. Desatou a chorar, não conseguia pensar no que ia acontecer àqueles que ela gosta.
Pierre levantou-se e agarrou-se a ela. Não sabia o que dizer, não havia nada que a pudesse consolar, ambos sabiam disso. Este pensou em ligar o rádio, mas já sabia o que ia ouvir - "Alemães bombardeiam e conquistam Paris!" ou, então, "Nazis chegam à capital de França!".
Ouvia-se um altifalante a gritar algo, mas era incompreensível. Sophie até pensou ir para a rua ver o que se estava a passar exatamente, mas era demasiado arriscado. Ficaram ali durante um bocado, porém, do nada, os pais de Pierre entraram em casa aflitos.
- Estás aqui! - a mãe dele abraçou os dois adolescentes, já em lagrimas. - Está tudo lá fora! Eles andam por aí, todos em fila marchando. Estão a dizer que agora temos hora de recolher e quem não a cumprir é castigado!
- São absolutamente doidos! Não têm morais! Só pensam em seguir o líder deles. Eu vi-o, estava ao pé da Torre Eiffel, com dezenas de guardas à volta! Aquele tirano! - gritava o pai de Pierre, enquanto andava aos círculos pela sala.
- Eles disseram alguma coisa sobre o que vai acontecer a nós? Tipo, quando é que... Prontos... Percebeste? - perguntou Pierre, olhando para a mãe devastado.
- Querido, é melhor não falarmos disso agora. Depois logo se vê. Está quase na hora do jantar, vou preparar qualquer coisa.
Sophie percebeu que aquela era a deixa dela. Levantou-se e disse que dali a nada estaria na hora do recolher e que podia meter-se em problemas, no entanto, Pierre parou-a.
- Vivemos no mesmo prédio. Eles não vão entrar e ver se estás em casa! Para eles, desde que não estejas na rua, chega. Vem comigo. - Pierre levantou-se e subiram as escadas do prédio até ao último andar, o sótão. Este estava quase vazio, tinha apenas um sofá e um colchão, á anos que ninguém ponha lá os pés e, embora fosse partilhado pelo prédio, a família dele praticamente era dona daquilo.
- O que é que fazemos aqui? - perguntou Sophie, um pouco suspeita das intenções dele.
- Os meus pais estão a pensar em mudar-se para aqui, visto que vão estar atrás de nós e, pelo menos, aqui é mais difícil de nos encontrarem. Mas a tua família também pode vir se quiser. Ou mesmo se tu alguma vez precisares de falar comigo, podes encontrar-me aqui, porque o eu vou ser o primeiro inquilino deste sótão. - disse ele com um entusiasmo triste.
Sophie assentou que sim. Agora teria que ir para casa, mas não lhe apetecia nem por sombras. Perguntou-lhe:
- Posso ficar aqui hoje? Não quero ir para casa.
- Claro. Tu podes ficar no sofá. É mais confortável. - ele foi buscar uma manta e ia-se embora, mas viu a cara de Sophie, ela não queria ser deixada ali sozinha, especialmente naquele dia.
Puxou o colchão para o pé dela e pegou numa manta também, ficando a olhar para a grande janela que havia no teto, que mostrava as estrelas e o céu escuro. Adormeceu.
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Para sempre, Paris.
RomanceNum mundo à beira da mudança, Sophie e Pierre tentam sobreviver sem nunca sentirem a raiva do seu inimigo, mas, como sempre temeram, a história provou o contrário e surpreendeu os dois adolescentes parisienses da pior maneira.