Estava enevoado. Sophie abriu os olhos, mas nada via. Apenas contornos de coisas, pessoas talvez.
Começou tudo a ficar mais nítido, ganhando formas e linhas. Um sentimento de surpresa e pânico invadiram a sua mente como um relâmpago. Fumo, prédios altos com grades, carros, cinzento, pessoas, pessoas tristes, vestidas com algo semelhante a um pijama. Nada daquilo fazia sentido. Sophie percebeu onde estava. Num campo de concentração. Olhou à sua volta, também ela estava vestida de cinza e também ela não tinha cabelo. Era prisioneira aquele sítio.
Parada a olhar para o que a rodeava foi interrompida por alguém a tocar-me no ombro.
- Anda! Não podes ficar aqui quieta! Temos que ir! - Disse outra rapariga com uma aparência débil e semelhante à dela.
- Para onde é que vamos? - Questionou Sophie.
- Temos que ir tratar das roupas. Houve uns quantos que foram "despachados" ontem à noite.
Sophie franziu o sobrolho, não percebendo o que a rapariga queria dizer.
- Como assim? Despachados?
A adolescente riu-se e apontou para uma chaminé alta.
- Não sejas tão ingénua. O que é que achas que acontece aos que lá entram? Quem entra ali, não volta a sair.
Sophie ficou chocada. Começou a pensar em todos os inocentes que foram vítimas daquela sentença de morte simplesmente por serem diferentes ou de uma religião diferente. E, do nada, outro pensamento invadiu o seu cérebro. Pierre. Onde estaria ele?
- Preciso de ir ter com um amigo! - disse, virando-se para trás. - Onde é que estão os rapazes? - Perguntou, começando a caminhar no sentido contrário.
- Para! - Gritou a rapariga, agarrando-lhe o braço. - Tu não podes ir lá! É proibido.
- Não quero saber! Tenho que ir vê-lo! - Insistiu.
- Mas não é seguro. Pelo menos agora. Podes tentar à noite. Mas tens que ter cuidado.
Sophie concordou e continuou a seguir a rapariga entrando no que parecia um armazém com montes de roupa espalhados pela divisão. Baixou-se e começou a pegar nos pequenos trapos, separando-os em montes mais pequenos. As lágrimas vinham tão rapidamente como a raiva. A angústia e a dor que lhe causavam era insuportável, no entanto, arranjou forças para continuar e não perder a sanidade naquele momento.
Dobrava roupa atrás de roupa, quase como se estivesse hipnotizada. Porém, uma peça chamou-lhe à atenção - um pequeno gorro branco com o nome "Marie" cozido, exatamente igual ao que ela tinha feito para a prima de Pierre, Marie. Subiu com esforço o monte de roupas e agarrou-o com todas as suas forças. Virou-o ao contrário para ter a certeza se era o dela ou não. Um pequeno S de Sophie do lado de dentro do acessório conclui isso por ela. Era a sua marca no gorro de Marie.
Aproximou o gorro ao peito e abraçou-o relembrando-se da pequena menina que antes lhe corria para os braços sempre que a via. Uma por uma, as lágrimas foram caindo, e com elas o sentimento de culpa, tristeza, raiva, mas, acima de tudo, impotência. Como é que era possível fazerem aquilo a uma criança inocente com a vida toda à sua frente?
Com o gorro na mão, levantou-se e, sem pensar, atirou-se a uma das guardas, deitando-a ao chão, e bateu-lhe com toda a sua raiva. Dois guardas vieram a correr e agarraram-lhos braços, arrastando-a pelo chão frio. Sophie olhou para a guarda estendida no chão e ao lado dela o gorro branco agora manchado de vermelho. E como como uma mãe que perdera o filho, gritou o nome da rapariga desmanchada em lágrimas.
Os guardas puxaram-na para o meio da praça e, quase como um sinal de aviso para todos os outros, ordenaram-lhe que se ajoelha-se. De joelhos, no chão e em lágrimas, Sophie ouviu a espingarda mexer-se e, em completo silêncio, o soldado premiu o gatilho.
O ruído da bala fez Sophie acordar num pulo. Fora apenas um pesadelo.
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Para sempre, Paris.
RomanceNum mundo à beira da mudança, Sophie e Pierre tentam sobreviver sem nunca sentirem a raiva do seu inimigo, mas, como sempre temeram, a história provou o contrário e surpreendeu os dois adolescentes parisienses da pior maneira.