Prólogo parte III - Mais doce que doce de batata doce...

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Lembra que eu disse que a vida é uma vadia? Um vadia bem popular, admito. Daquele tipo que todo mundo odeia e ama ao mesmo tempo. E quando você pensa "finalmente estou feliz", a vida fala "Oh, espera só segundinho".

Minha vida estava ótima. Ok, retirando o fato de eu ter sido presa e ter feito meus amigos serem presos, isso não foi nada legal. Acho que as coisas começaram a desandar por aí, ou talvez já estivesse acontecendo e eu nem tenha percebido.

Assim que acordei, perto das três da tarde, continuei deitada na cama e o que aquele delegado estúpido falou me voltou à mente. Raiva pura subiu em minha mente e eu tentei pensar com clareza o porquê daquela besta pensar assim. É claro que a resposta é obvia: machismo. A sociedade é machista, por tanto, as pessoas são machistas. Eu só tinha vontade de enfiar o garfo na garganta de alguém.

Parei de pensar nisso, era um assunto que sempre me deixava revoltada. Mas, e você, o que acha disso? Acha que foi certo o que ele disse? Acha mesmo que a culpa foi minha? Ah, me responda rápido. De qualquer forma, fui tomar banho.

Entrei embaixo da água quente, pelando, mas que relaxou todo o meu corpo. Lavei meu cabelo e passei o máximo de tempo que podia. Eu esperava que meus meninos estivessem bem, não tive notícias deles, nenhuma. Nada no celular ou coisas do tipo.

Sai do banheiro e enrolei a toalha na cabeça. Vesti uma calça harém turquesa, com regata branca por cima. Enxuguei parcialmente meus cabelos, penteei e deixei-os soltos. Desci as escadas para procurar a minha mãe que, pelo horário deveria estar assistindo TV, antes de abrir o salão.

Ponto pra mim. Me aproximei e sentei no braço do sofá. Maya não falou nada, ela nem se mexeu, quando deu comercial eu resolvi me manifestar, o silêncio estava me deixando louca.

Mām̐... — Comecei, mas ela colocou a mão para cima, me fazendo parar.

Ela passou um tempo assim e eu não ousei piscar, na verdade meu coração começou a... Pesar.

— Seu bāpa sempre fez de tudo por nós. Ele te amava incondicionalmente, sem se importar com mais nada. — Maya falou depois de uns minutos, sua voz tinha tanta tristeza que eu senti meu peito se contrair. — Ele contrariou a família por nós, entrou nessa gangue para nos proteger, trabalhou duro para termos a melhor vida possível. Daniel daria tudo que tinha por você, tudo. Ele te ensinou a ler e escrever, te levava em parques, lia para você, comprava livros, brinquedos... A única coisa que ele pediu foi que você nunca tivesse de se sujeitar a entrar em brigas por aí, brigas da gangue, ou com as pessoas de gangue. Ele queria uma vida melhor pra você. — Mām̐ virou o rosto, estava chorando. Mamãe nunca tinha chorado antes, nem quando bāpa morreu, não na minha frente, pelo menos.

— Mas mām̐...

— Calada. — Eu me calei porquê sabia que era mais esperto da minha parte. — Seu pai nunca foi preso, por que, mesmo participando disso tudo, ele nunca passou dos limites. Antes que diga algo, eu sei o que aconteceu, sei o que o delegado disse para você, não foi isso que me chateou. — Minha mãe então se inclinou e pegou algo do lado do sofá.

 Puta que pariu! Pegou a minha mochila, que tinha sido pega na delegacia... Mochila que tinha a roupa que usei na briga, a garrafa, a blusa de um dos meninos com sangue, entre outras coisas que usei na briga, ou que algum dos meninos usaram.

— Você me prometeu que não ia participar disso, Nayana. — Engoli em seco.

É isso aí, amigos, eu sempre quis ser cremada, a ideia de ser enterrada me dá agonia, sabe? Eu sei que já vou estar morta, mas imagina se eu não morri e acordo dentro do caixão, ou se vem o apocalipse zumbi? Melhor ter certeza de que eu parti dessa para melhor, nem que seja para vir como uma formiga na minha próxima vida, se existir outra vida. Mas sempre fiquei em dúvida entre minhas cinzas serem jogadas num rio ou no ar, acho que dá no mesmo, né?

Garota DesastreOnde histórias criam vida. Descubra agora