"Posso saber o que você faz aqui uma hora dessas, Rose?" Guilherme gritou, debaixo da chuva.
A quase ex-mulher não sabia se mantinha a cara de desgosto, se ficava com raiva por ouvi-lo gritando ou tentava cobri-lo com o guarda-chuva. Ele já estava encharcado e a roupa social dele estava ficando transparente.
"Sua secretária me ligou, disse que você tinha que falar comigo, preparou alguma coisa, que era urgente, um segredo...Não sei, não entendi muito bem. Achei que fosse alguma emergência sobre o divórcio."
"Sobre o divórcio? Durante a madrugada? E você nem pra me ligar e confirmar, só resolveu aparecer na minha clínica?! Ah, Rose, faça-me o favor!"
Guilherme estava vermelho e pingava água do seu rosto sem que ninguém soubesse o que era chuva, o que era lágrima e o que era suor. Se é que era possível suar naquele momento, mas a raiva era tão grande e o corpo dele estava tão quente que ele não sabia o que fazer.
"Gui, eu...Eu não sabia que você já tava com alguém..."
"Eu não estou com ninguém! Porque diferente de você, eu amava nosso casamento. Mas quando eu finalmente tô olhando pra trás, você volta. Você volta e quer estar presente em cada coisa. Qual a sua? Por que você faz isso comigo?" Ele colocou a mão no rosto, como se estivesse num terror profundo no fundo da sua alma.
"Eu só quero o que é meu por direito. Só vim entender isso! Você já estava com essa garota quando a gente era casado, é isso? Por isso tá bravo? Por que descobri seu segredo?"
"Segredo, Rose? Segredo? A única que guarda segredos é você! De ter conhecido o Neném em Roma, de nunca ter me amado, de não ter falado do romance de vocês! Eu nunca trairia você. Nunca!" Guilherme gritou se afastando dela.
"Gui!" Ela gritou, com sua expressão chorosa.
"Não me chama nunca mais assim. Amanhã mesmo a gente vai no tribunal finalizar isso e não vou ter que ouvir essas acusações infundadas suas, que são só....Só...Reflexos do que você mesma fez comigo. Com o nosso casamento." Guilherme entrou de volta na clínica e pegou a chave do carro, indo embora sem olhar pra trás ou ver a Rose novamente,
Andou em círculos e círculos procurando Flávia, foi até as ruas da Tijuca e cogitou procurá-la novamente na casa da Paula. Encostou o carro e a chuva não parava. Assim como sua frustração, sua raiva, seu ego ferido, sua amargura. Toda vez que pensava estar se limpando de tudo que o machucava, doía verdadeiramente e em segredo o envergonha, algo acontecia que o fazia dar três passos pra trás.
Queria mesmo dar certo com a Flávia, mas tinha medo de não ser o suficiente para ela. Como seria? Não conseguiu ser o suficiente para quem achava que mais amou na vida. Não conseguiu nem sequer ser amado por essa pessoa em vinte anos, sendo ele como é. Quem amaria ele então? Se vinte anos não eram o suficiente, então menos de um ano também não seria.
O coração dele doía e só pensava que o único desejo dele quando a Morte o encarou de perto era ter um casamento e família, ser feliz, ser amado e amar. Chegou em casa molhado e Celina estava inquieta, ficando mais ainda ao vê-lo encharcado. Daniel aflito, tentava impedir um escandâlo.
"Meu filho, eu fiz uma coisa."
"Que coisa, mamãe, fala logo, estou indo pro banho."
"Eu fiz um teste de paternidade do Antônio escondido e confirmei o que sempre achei da Rose. Ela é uma víbora, mentirosa e o Antônio não é seu filho."
"O quê..."
Tudo depois dali foi um apagão. Estava louco de raiva, insano, choroso, doente. Chamou Rose e o terror se instalou naquela casa. A viu chorar e se ajoelhar, pedir perdão, dizer que não sabia, mas ele não acreditava nela. Não acreditava em mais nada. Queria quebrar espelhos, objetos, jogar tudo para cima. Queria acreditar que vinte anos não foram uma mentira.
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Coração Ouvinte
RomanceFlávia desabafa pra um coração de plástico no escritório do Doutor Guilherme Bragança. ATT: 01/2023, apenas mais 3 capítulos serão lançados! Obs: Personagens de autoria do roteirista Mauro Wilson (TV Globo) para a novela das 19h; "Quanto mais vida...