Destino

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De queixo caído, Leon observou aquela monstruosidade enorme em formato de urso saltar de dentro do rio, emergindo da água segurando dois peixes em sua mandíbula. Balançou o corpo, um jato respingado de líquido voejando sobre o garoto, molhando-o inteiro. A ruiva, sentada ali perto, riu e bateu palmas, tal qual um bebê se divertindo ao ver algo engraçado. Leon bufou, mas não se irritou por conta da alta temperatura do dia. O sol queimava a pele facilmente, mas a garota não parecia se incomodar, o corpo já acostumado por desavenças climáticas. O garoto, por outro lado, sentia suor escorrendo de cada canto, seu moletom quase que pegando fogo de tão aquecido que estava.

Os peixes caíram aos pés dos dois, ainda dando alguns pulos desesperados e inúteis antes de se estirarem inertes na grama. O urso, satisfeito, saiu de perto deles e foi até o outro lado do rio, deitando-se na grama e por vezes tomando um pouco da água. Subitamente, a menina lambeu os lábios, soltando alguns grunhidos ininteligíveis e saltando contra os peixes. Teria abaconhado-os facilmente, não fosse a intervenção do menino. Leon apanhou o alimento, se pôs de pé e levantou os braços bem alto, impedindo que estivessem ao alcance da mais baixa.

— Opa, opa, opa! Você tá pensando em comer isso aqui cru? Tá maluca? — Falava, embora no fundo suspeitasse se a garota realmente o entendia. — Tem que cozinhar primeiro, menina!

Mas a resposta que recebera não passou de grunhidos e resmungos de raiva. Pulava, esticando seus bracinhos, tentando de todo modo alcançar aqueles peixes. Nervoso, Leon se afastava em passos curtos para trás, apenas para ser seguido pela garota que o fuzilava com o mero olhar. O urso, antes distraído fitando o rio, agora mantinha os olhos presos ao garoto, o que o fez engolir em seco e sentir a boca secando. Viu os dentes estranhamente afiados da menina, manchados por algo escuro que lembrava sangue. Seus olhos, brancos, encaravam-no transmitindo um genuíno ódio típico de um animal quando tem seu território invadido. Leon fizera isso, ultrapassara a linha daquela fera.

— Desculpa, desculpa! Pode ficar! Leon não querer problemas! Leon amigo! Leon amigo! — Tentou usar um vocabulário mais "homem das cavernas", na esperança de ser entendido, mas a garota continuava como um bicho. Antes de arrumar problemas, lançou o alimento para a menor, que agarrou um com a boca e outro com a mão. — Eu só queria te mostrar uma coisa...

Pouco se importou a mais nova, entertida demais em sua comilança desenfreada. Manchava a boca e os dedos com sangue e escamas, cuspia pedaços de espinha e mastigava com brutalidade demasiada, pedaços de comida mastigada escapando da boca e caindo ao chão. Leon a deixou ali, no cantinho próxima a uma árvore, e decidido, foi até o lago. Pegou um galho de uma árvore, uma pedra na grama e se colocou ao trabalho; riscava a madeira usando a rocha, determinado, até que criasse uma ponta decente. Em poucos minutos, seu trabalho estava concluído: uma mini lança improvisada que daria pro gasto, supunha. E então, de frente para o rio tranquilo, armou um golpe e aguardou pacientemente.

Durante minutos a fio, calculara a trajetória dos peixes, observando suas figuras distorcidas pela refração da água. Relembrava-se da vez que o pai o levou para pescar, visualizando a memória quase como um filme bem diante de seus olhos: "Espere bem, calcule os movimentos e então, quando sentir que entendeu, ataque. Sempre enfie até o fundo, o peixe costuma estar mais baixo do que aparenta." Era isso que faria, estava na fase do cálculo, da espera. O momento em que a ansiedade mais ataca, o instante onde tudo tem a tendência de dar errado, os erros provando-se fatais. De olhar fixo sobre a corrente, nem percebeu quando a garota entrou na água, andando até o outro lado do rio e se sentando ao lado do urso, os olhos fechando pesados. Adormeceu ali mesmo em poucos instantes.

As águas se partiram, espirraram, molhando ainda mais o menino. A ponta de madeira venceu o rio e afundou o máximo que podia. Atravessara tudo sem qualquer resistência, um golpe certeiro e preciso. Puxou a lança de volta, retirando-a da água cravada em um peixe pequeno. Sorriu, alegre, pois era um progresso. Continuaria ali, por algum tempo, até que conseguisse fazer o que queria, mas valia a pena. Então não desistiu, arrancou o casaco do corpo e enxugou o suor da testa, lançando-se sobre o rio e prosseguindo o trabalho.

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