Little Doll

681 27 41
                                    

Desde pequena, eu sabia que viver era complicado. Nada tinha aquela aparência de felicidade e calma, tudo tinha um filtro cinzento por cima. Em todas as lembranças que eu tenho sobre meus pais, minha mãe estava de costas para mim, poucas palavras, sempre fungando. Meu pai era um vulto em constante passagem, e quase nenhuma permanência.

Um dia, não consigo lembrar exatamente o motivo, tive que ir embora. Cresci em um abrigo para menores, parecia que a palavra ABANDONO tinha sido carimbada na minha pele permanentemente, até que saí e me vi sozinha nas ruas da linda e impiedosa Los Angeles, sem dinheiro, sem emprego e nenhuma família ou amigos que não fossem a bebida e as drogas que me protegiam do frio, da fome e da tristeza.

As coisas ficaram diferentes quando conheci Valkyria. Ela me olhava fixamente enquanto eu comia as sobras de um burrito do Noggles que alguém tinha me dado e eu me mantinha em estado de alerta, porque na rua não se pode confiar em ninguém. Meu coração acelerou quando aquela mulher gigante, de cabelos platinados e cacheados armados com laquê, usando maquiagem pesada, um macacão tão justo quanto imaginamos que Deus seja, sapatos de salto agulha e com seios enormes atravessou a rua vindo em minha direção.

- Garota, quantos anos tem? – ela perguntou, assim, direto e reto. Eu geralmente não era amigável com as pessoas que se aproximavam dessa forma, principalmente se fossem homens. Mas havia algo naquela mulher que me causava uma espécie de magnetismo bizarro, de maneira que me vi respondendo prontamente.

- Dezenove.

Ela pareceu pensativa, ao mesmo tempo em que me olhava da cabeça aos pés, como se eu fosse um vaso à venda numa loja de decoração.

- Tão jovem... onde você vive?

Eu não sabia se estava gostando daquilo, ainda mais porque eu estava no meio do que era a minha maior refeição daquele dia, e eu só queria apreciar em paz.

- Por aí. – respondi, dando de ombros – Quem é você e por que essas perguntas?

A mulher não pareceu se intimidar. Um esboço de sorriso apareceu rapidamente em seus volumosos lábios carmim. De algum lugar de dentro do decote profundo do macacão, ela tirou um cartão e o estendeu a mim.

- Curiosidade, apenas. – ela respondeu. Peguei o cartão e li o nome Valkyria Shermann, seguido de um número de telefone e um endereço. – Se esse for um sentimento em comum, me procure. – ela disse, por fim, e voltou para onde estava, do outro lado da rua, misturando-se à massa de gente.

Passei um bom tempo tentando entender se aquilo havia sido real ou se eu estava delirando de fome. Ninguém tinha mostrado "curiosidade" por mim até então. Não daquela forma. Geralmente, a abordagem bizarra vinha de homens, sóbrios ou não, que tentavam me levar para algum beco, achando que eu não tinha meios de defesa.

Aquela mulher, Valkyria, era diferente. Eu não sabia explicar por que para além do fato de que ela não era um homem, o que já ajudava em alguma coisa. E foi por isso que, na manhã seguinte, decidi procurá-la no endereço do cartão. Era uma casa numa rua perpendicular à Sunset Boulevard. Eu passara muitas vezes por ali, mas era jovem demais para conseguir entrar na maioria dos lugares, sem contar o fato de que eu era uma sem-teto, vivia da boa vontade das pessoas – nada muito frequente, diga-se de passagem – não tinha condições de montar um visual como o da maioria das garotas que circulavam por lá.

Bati à porta do apartamento, e uma garota loira e muito magra atendeu. Ela segurava um cigarro entre os dedos e uma xícara de café. Era cerca de meio-dia e ela parecia ter acabado de acordar.

- Oi – cumprimentei, meio sem jeito. A garota permanecia em silêncio, talvez nem tivesse acordado de fato ainda. – Eu estou procurando Valkyria Shermann, ela me deu esse cartão ontem à noite e...

Little Doll │Nikki Sixx & Duff McKaganOnde histórias criam vida. Descubra agora