Um.

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Sina Deinert, 2020.

EU AINDA conseguia me lembrar com muitos detalhes de quando o vi pela primeira vez. Não foi uma situação normal, em que você sem querer esbarra com um estranho enquanto está andando na calçada e quando o olha nos olhos, percebe que a sua vida nunca mais será a mesma. Não, não foi nada desse tipo. Eu e Noah nunca nos encaixamos em um padrão considerado normal, colecionando mais experiências constrangedoras juntas do que momentos altamente românticos em si.

Nos conhecemos no primeiro ano do ensino médio, na primeira aula de educação sexual do ano. Quando eu disse que colecionamos muitas situações constrangedoras, é porque é realmente verdade. A professora estava ensinando à turma os diferentes tipos de métodos contraceptivos para evitar gravidez e doenças sexualmente transmissíveis, quando precisou demonstrar para todos a forma correta do uso de uma camisinha masculina. Enquanto ela fazia a demonstração em meio a risadas histéricas e olhares curiosos, uma voz surgiu no fundo da sala.

Está fazendo errado.

E todos — inclusive eu — voltaram as cabeças para saber quem tinha sido o corajoso para ter dito aquilo à pobre professora, que estava com as sobrancelhas levantadas, tamanha a petulância do garoto de olhos verdes e cabelo castanhos claros.

O que disse, Noah? — A professora indagou, talvez procurando se certificar de que o aluno não tinha mesmo a interrompido no meio de uma demonstração tão importante.

Você colocou a camisinha errada no... pênis de borracha. — Ele respondeu e uma chuva de risadas foi-se ouvida na sala de aula. 

Ah, é mesmo? Então vou pedir para que, por favor, Noah, você venha até aqui para mostrar aos seus colegas como se coloca uma camisinha. — Nesse momento, eu mesma não consegui conter a risada e a mesma saiu alta, me fazendo tapar a boca em seguida ao perceber que a maioria da turma olhava em minha direção, inclusive a professora. — Senhorita Deinert, já que achou tanta graça assim, porque não vem também ajudar a Noah? Você vai segurar o pênis.

Tentei negar e pedi desculpas, mas de nada adiantou. Tive que ir na frente da sala enquanto os outros alunos riam sem parar da situação e minhas bochechas ficavam cada vez mais quentes conforme eu auxiliava o garoto a demonstrar para a turma a colocação correta do preservativo.

E é assim... — Noah puxou o preservativo até a base do pênis de borracha, lançando um sorriso travesso para a professora — que se coloca uma camisinha corretamente. 

Eu comecei a andar de volta para o meu lugar com a vergonha estampada em meu rosto, mas não tão rápido ao ponto de não ouvir Noah falando "obrigado pela ajuda, Deinert" antes de voltar para o fundo da sala.

Desde esse dia, não nos desgrudamos. Conheci a versão mais doce do garoto que ganhou meu coração alguns meses depois. A versão pura e inocente que não conhecia os males do mundo, assim como eu.

A versão bem diferente da que acaba de abrir a porta de entrada do apartamento que moramos juntos nesse exato momento. Na verdade, era um milagre ele ter aparecido em casa. Noah já não vinha em casa há alguns dias, mas eu já tinha aprendido a lidar com sua carreira corrida e me acostumei a ficar sozinha na maior parte do tempo. Quando meus pais ou meus amigos vinham até aqui, tinha que inventar mil e uma desculpas diferentes para explicar o porquê de Noah não estar nunca em casa, sendo que nem eu mesma sabia, apesar de já tê-lo questionado várias vezes.

Já pensei várias vezes na possibilidade de ele estar me traindo, mas prefiro acreditar que ainda existem resquícios do Noah adolescente no Noah atual, o que me faz descartar a ideia nem que por algumas horas. Mas a cada vez que ele chegava bêbado em casa, era mais uma frustração a ser colecionada no meu caderno de frustrações referentes a ele.

BETRAYAL × noartOnde histórias criam vida. Descubra agora