Três.

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Sina Deinert, 2020.

COZINHAR sempre fora uma espécie de terapia para mim. Me lembro com exatidão de que, ainda criança, adorava ver meus pais cozinhando juntos na nossa cozinha americana. Por causa disso, o meu amor pela culinária despertou e, por mais que eu nunca tenha trabalhado com nada do meio, gostaria muito que isso pudesse acontecer algum dia.

Nesse momento, estava preparando um dos meus pratos preferidos: ceviche de camarão. Logo Heyoon, Josh, Joalin, Bailey, Alex e Lamar estariam chegando para o jantar que marcamos hoje e eu estava animada, pois, além de meus melhores amigos, conseguia enxergar neles um porto seguro.

Dez minutos depois, ouvi o interfone tocando, anunciando a chegada deles. Dei uma última conferida na mesa posta e em meu reflexo no espelho, para me certificar de que estava tudo em ordem. Tratei de estender o meu melhor sorriso no rosto assim que ouvi a campainha se tocar, abrindo a porta e dando de cara com todos eles do outro lado.

— Sina! — Heyoon e Josh foram os primeiros a entrarem, com uma garrafa de vinho em mãos. Os dois me deram um abraço caloroso e mais apertado do que o normal.

— Vocês não precisavam ter trazido nada. — Peguei a garrafa e segurei, envergonhada. — Mas muito obrigada.

— Não precisa agradecer, Si. — Josh soltou uma piscadela e entrelaçou os dedos nos da minha amiga, e eu sorri, porque sabia que eles se gostavam de verdade e torcia muito para que o relacionamento deles desse certo e fosse duradouro.

Alex e Lamar entraram logo depois, os dois distribuindo vários abraços e beijos melados em minha testa.

— Já chega! — Pedi, em meio às risadas. — Vocês melecaram a minha testa com esse tanto de beijos.

— Que nojo. — Ouvi a voz de Joalin e não pude evitar um sorriso ao ver a loira por ali. Já fazia um bom tempo que ela estava fora do país, adquirindo novas experiências de trabalho e eu senti tanto sua falta.

— É tão bom te ver de novo, Jo. — A abracei. — Me prometa que não vai mais sair dos Estados Unidos, certo?

— Não prometo nada, mas não é minha intenção sair daqui por um bom tempo... — Ela disse e sorriu, se juntando ao Bailey logo em seguida, o que me fez ficar em choque por alguns segundos para logo depois abrir a boca.

— Vocês estão juntos? — Exclamei, completamente surpresa. — Que notícia maravilhosa! Josh, o vinho realmente foi uma ótima ideia, precisamos comemorar! — Falei e o loiro sorriu, batendo palminhas.

Todos se sentaram à mesa e comecei a distribuir as travessas de comidas. Quando coloquei a última, me juntei a eles.

— Antes de começarmos... — Olhei para Lamar e Alex, que estavam prontos para dar a primeira garfada. — Eu quero agradecer a todos vocês por escolherem estar comigo na noite de hoje, apesar dos seus compromissos. Sou muito grata pela amizade de cada um e é isso, espero que gostem do jantar!

Ao ver todos eles ali, comendo da comida que eu preparei, meu coração se encheu de alegria porque, por mais que eu não tenha tido sucesso no amor, pelo menos tive nas amizades.

[...]

Algumas horas depois, eles foram embora e me ajudaram a lavar a louça e guardá-la, o que me deixou muito aliviada. Noah, como sempre, estava sumido e não havia dado nenhum sinal de onde poderia estar, mas isso não era mais um problema para mim.

Comecei a me preparar para dormir quando ouvi a porta sendo aberta, e decidi que aquela era a hora, ele só não podia estar bêbado ou pior, drogado.

Por favor, não esteja bêbado.

A frase se repetiu muitas vezes na minha cabeça conforme eu dava passos em direção à sala de estar. Ele ainda estava em pé, o que era um bom sinal. Na verdade, um ótimo sinal.

— Noah? — Decidi arriscar e ele levantou o olhar em minha direção, dando um pequeno sorriso.

— Oi, Sina. — O moreno começou a tirar os sapatos e despejou o molho de chaves sobre o aparador, andando até a cozinha. Abriu a geladeira, pegou a garrafa d'água e despejou um pouco do líquido em um copo, bebendo-o todo de uma vez só em seguida.

Ele não estava bêbado. Graças a Deus.

— Nós precisamos conversar. — Falei e um silêncio ensurdecedor pairou sobre nós dois. O ambiente parecia que iria nos sufocar. — Por favor. — Acrescentei, suplicante.

Eu já não aguentava mais levar a situação em que estávamos de forma irrelevante. Não podíamos mais continuar desse jeito, por isso precisávamos conversar.

— Pode ser amanhã? Eu acabei de voltar de uma reunião, amanhã tenho que fazer uma live no meu Instagram com a parceria de um dos meus sócios e estou morto. — Noah colocou a garrafa de volta na geladeira e passou por mim no corredor, não esperando a minha resposta.

— Não, não pode ser amanhã, Noah. — Minha voz ficou mais firme. — Estou esperando há anos, e você sabe disso. Por favor, vamos acabar logo com isso. Não há mais o porquê vivermos de aparências. — Suspirei. — Uma separação não é o fim do mundo. O que você fez com o nosso relacionamento, isso sim é.

— Eu disse que amanhã, porra! — Ele gritou e eu me assustei com o seu tom, indo um pouco para trás. — Eu já sei o que você quer e eu vou te dar, mas não vai ser hoje. Vai ser no meu tempo, ok?

— Não, Noah. Enquanto ainda estivermos juntos, os dois respondem como um só. Não é só a sua vontade que tem que prevalecer por aqui. — Me aproximo o suficiente para ficar a pouquíssimos centímetros do seu rosto. — E nunca mais, nunca mais mesmo, grite comigo. Nunca mais!

Dou passos largos em direção ao quarto, fecho e tranco a porta, indo dormir do mesmo jeito de todos esses últimos anos: me afundando em lágrimas. Como alguém pode mudar tanto assim? Eu queria poder entender como Noah se transformou nesse ser desprezível que é atualmente, mas agora eu acredito no que as pessoas falam sobre a fama acabar mudando a pessoa da água para o vinho.

Eu só não queria que Noah fizesse parte dessa certeza. Queria o meu Noah da adolescência de volta, o Noah por quem eu me apaixonei e por quem eu tive certeza de que poderia fazer de tudo por mim.

Eu precisava que isso acabasse logo, porque, por mais que exista amor, em algumas situações, ele nunca é o único suficiente para sustentar uma relação.

BETRAYAL × noartOnde histórias criam vida. Descubra agora