Dois.

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Noah Urrea, 2020.

ME APAIXONEI de verdade pela primeira vez quando estava no ensino médio. Por Sina, a única pelo qual meu coração palpitou diversas vezes, a responsável por me fazer sentir borboletas no estômago que, por mais que outras pessoas dissessem que isso definitivamente não existe, eu nunca dei muita importância, pois ela me fazia sentir. Na verdade ainda faz, mas eu sou covarde demais para admitir isso a ela, a única que realmente precisa saber disso.

Não sei quando me tornei assim, mas eu costumava ser romântico, o que sempre me ajudou nas composições. Minha história com a música começou bem cedo, quando eu pedi um violão no meu aniversário de seis anos, mesmo não sabendo tocar o instrumento. Meus pais perceberam que a paixão era tanta que logo trataram de me matricular nas aulas, e não demorou muito até que eu dominasse não só o violão, mas guitarra, baixo, piano e bateria, que são todos os instrumentos que toco atualmente.

Meu pai, apesar de sempre me apoiar com as aulas e comprar os instrumentos, nunca lidou muito bem com a minha escolha de seguir no ramo musical como forma de sustento. O sonho dele era me ver trabalhando em sua empresa de negócios start-ups, provavelmente para ser o seu sucessor no futuro. Só de pensar que eu poderia mesmo ter me tornado isso, meu estômago revira. Não consigo me imaginar sem fazer música e impactar os meus fãs com as minhas composições.

Sempre costumei tocar em barzinhos aos finais de semana, e em uma das apresentações acústicas o meu atual produtor me descobriu, oferecendo uma proposta irrecusável. Deu tão certo que hoje sou um dos artistas mais ouvidos não só dos Estados Unidos, mas de boa parte do mundo. Isso tudo poderia me deixar completamente realizado, não é?

Infelizmente — e acredite, dói admitir isso — sou viciado em bebidas e drogas. Já tentei ao máximo parar, mas é mais forte do que eu. O meu nível não é de depreciação lenta, mas mesmo assim não é normal. Eu consigo ficar sóbrio quando quero e agir normalmente, mas sei que isso machuca as pessoas ao meu redor, principalmente Sina e minha irmã, Linsey.

Comecei a beber compulsivamente depois da morte da minha mãe. Não consegui — e ainda não consigo — lidar com o fato de que ela não está mais entre nós. Ela costumava ser o meu porto seguro e me lembro de todas as vezes em que sempre esteve me esperando para dizer que me amava ou que nunca iria me abandonar. As pessoas simplesmente não deveriam fazer promessas que não estão ao alcance delas, porque, veja bem, minha mãe disse que nunca iria me deixar e agora está morta.

Nunca lidei muito bem com a morte dela, então foi por isso que eu comecei a beber e a me drogar. Algumas notícias sobre isso já saíram na mídia, mas os assessores conseguiram pagar uma boa grana para que os jornalistas tirassem dos sites, tudo isso para não prejudicar a minha carreira em ascensão.

Desde esse acontecimento, nunca mais consegui ser o mesmo com as pessoas, principalmente Sina, e isso me doía. Eu queria poder voltar a ser o Noah de antigamente, mas simplesmente não conseguia. Queria que Sina pudesse voltar a ser feliz de verdade, mas eu sei que ela ainda me ama, senão já teria me deixado há muito tempo. Ela é uma mulher independente, linda e carismática. Só que eu sou tão egoísta que não consigo conversar com ela sobre isso, porque, por mais que eu queira que ela seja feliz, preciso que ela fique ao meu lado.

Minha mente ainda estava um turbilhão, pensando mil coisas ao mesmo tempo quando ouvi o som da porta do quarto sendo destrancada. Provavelmente já era de manhã cedo, porque Sina sempre acordava primeiro para se arrumar para ir ao trabalho. Ela conseguiu se formar em Publicidade e Propaganda e trabalha em uma editora muito famosa aqui em Los Angeles.

Apesar de estar deitado e de olhos fechados, podia sentir que a loira estava me observando. Provavelmente com o olhar de reprovação que sempre me dedicava desde que eu comecei a virar um Noah totalmente diferente do que ela conheceu no ensino médio.

— Bom dia, querida. — Falei com a voz abafada e me sentei logo em seguida, podendo comprovar que ela realmente estava me encarando com aquele olhar.

— Vou fingir que você não me chamou de querida porque não quero começar o meu dia estressada, ok? — Sina dirigiu-se à cozinha, preparando o café e pegando massa de panquecas.

Fiquei observando-a enquanto ela preparava tudo, reprimindo a vontade de sorrir com a visão de seus cabelos loiros magníficos um pouco bagunçados. Eles sempre foram bem cheirosos, mas eu não sabia mais a sensação de tocá-los e senti-los de pertinho. Nós dois já não somos um casal de verdade faz tempo.

— Por que ainda estamos juntos, Noah? — Ouvi sua voz de repente e ela me encarava com uma peneira na mão direita. — Sério, isso aqui não faz mais sentido pra mim, só estamos juntos por conveniência. Você não acha?

— Não. — Respondi e ela soltou um longo suspiro, balançando a cabeça negativamente. — Você me ama, porque não faz sentido?

— A vida não é só se embebedar e esperar que eu cuide de você toda vez, querido. — Ela reforçou a última palavra, como se para me atingir por tê-la chamado assim há alguns minutos. — Se você me contasse a verdade, seria mais fácil, sabia? Somos adultos, podemos ter uma conversa civilizada e sincera. Isso — apontou para nós dois — não está dando mais.

— Que verdade, Sina? Tudo o que você deveria saber sobre mim, já sabe. — Juntei as sobrancelhas. — O que você está insinuando?

— Eu sei que você me trai quando sai, Noah. Tentei por muito tempo pensar que ainda havia um pouco da personalidade íntegra do Noah de antigamente, mas é impossível. — Ela desligou a boca do fogão que estava acesa e colocou dois discos de panquecas em dois pratos, despejando um pouco de melaço por cima.

— Eu... — Comecei a falar, mas ela me interrompeu.

— Não, Noah. Por favor, não se dê ao trabalho de inventar uma mentira, não a essa altura do campeonato. — A cafeteira apitou e a loira foi ágil em despejar um pouco da bebida em duas xícaras. Veio andando em minha direção, estendendo o prato de panqueca e a xícara de café. — Tenha um bom dia, Noah. Quando eu voltar, não vamos mais adiar a conversa.

— Obrigado. Não quero conversar, Sina. — Disse, inalando o cheiro do café.

— Você já viu uma frase que diz que querer não é poder. Não vamos mais adiar o inevitável, Noah. Você sabe que não está dando mais certo. — Ela respondeu e voltou para o quarto, batendo a porta levemente.

Comi minha panqueca lentamente enquanto refletia sobre o que tinha acabado de acontecer.

Muitas vezes, eu me odeio.

Só nunca me odiei tanto quanto agora, porque a incapacidade é um dos piores sentimentos, e eu sabia que podia ter feito tudo diferente se tivesse dito a verdade desde o início, mas, como vocês já sabem, o comodismo é confortável, e tudo o que é confortável se torna o caminho mais fácil de ser seguido.

O caminho mais fácil acabou com as possíveis possibilidades que eu tinha de consertar a minha vida naquele momento e se eu disse que a incapacidade era um dos piores sentimentos, sem dúvida o arrependimento é o pior de todos.

BETRAYAL × noartOnde histórias criam vida. Descubra agora