Ato I: Delicadas flores rosa

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⚠️ TW: Está historia contém cenas que podem causar desconforto devido a tensão do caso da morte de Ryan. Se você tem algum tipo de gatilho com morte, recomendo que procure outra leitura. Continue por conta e risco.

~★Rey

(21 de julho de 2011. Rye, Sussex, Reino Unido. 03:02 p.m)

Era um dia sombrio apenas a julgar pelo céu de nuvens escuras e ameaçadoras que aqui e acolá se permitiam pingar na terra grossas e pesadas gotas que caíam como uma surpresa desagradável e ainda menos bem-vinda que o normal. Chuva em funerais era uma superstição estúpida que o povo de Rye aprendeu a odiar.

Por mais indevido que seja, era um evento na pequena Rye de quatro mil e poucos habitantes. Por onde se olhasse, durante aquela procissão silenciosa e cruel, olhares eram atraídos para o carro fúnebre que pesadamente seguia seu caminho conduzindo uma carreata aparentemente grande demais para passar despercebida. Era incômodo e doloroso de se ver, ainda mais com os boatos e fofocas obscuras rondando cada pedacinho do colégio estadual e toda a família Ross.

Ao descer do carro fúnebre no chão de pedrinhas ásperas do cemitério, três garotos jovens usando ternos negros com expressões abatidas e severas no rosto se amontoavam na tampa do porta malas esperando impacientemente por seu último adeus a um pedaço de si mesmos. Um deles, o mais baixo, que usava uma touca cinza de lã nos cabelos loiros compridos e mordia o lábio se equilibrava de um pé para o outro enquanto evitava de pensar outra vez no que seria deles agora.

- Eu não quero olhar - disse ele, esfregando o rosto com ambas as mãos. Deu uma larga fungada e prosseguiu com voz quebrada - isso aqui é um pesadelo. E-Eu não quero carregar o caixão dele de novo.

Outro garoto, um pouco mais alto, com traços afeminados no rosto, cabelos pretos oleosos e presos no alto da cabeça, bagunçados e rebeldes, girava o alargador em sua orelha. Colocou uma mão no ombro do primeiro rapaz, suspirando de maneira tensa. Desviou o olhar da tampa do porta malas sendo aberta pelo motorista e saiu do caminho para dar espaço para que mais gente veja a cruel e dolorosa cena do caixão negro e pesado ser retirado de seu pequeno momento fora da vista de todos e posto em uma mesa dobrável para em seguida ser levado para dentro do cemitério.

- Axel... não estivemos aqui quando... quando ele mais precisava - retrucou com uma voz grave e culpada, voz de quem sabe que a culpa e o remorso jamais deixarão seus ombros e o vigiará até o fim de seus dias - faça isso agora que ele não pode mais. É meio que um sinal de respeito.

O terceiro garoto, com os cabelos castanhos escuros e óculos de sol acariciava a ponte do nariz. Era o que mais tinha aparência de choro, e de fato estava chorando naquele preciso momento, o qual o motorista os reunia para que carregassem o pesado e lustroso caixão pelas alças até dentro do cemitério. Era a pior parte na visão dele, porque sabia que as coisas nunca mais seriam as mesmas.

- Isso é covardia - afirmou ao assumir uma das alças frontais do caixão com a mão esquerda. Seu rosto era pura ira, indignação, com suas sobrancelhas grossas e nariz franzidos - é uma covardia em todos os sentidos possíveis.

Os três garotos nervosos assumiram as posições e silenciosamente levantaram o pesado caixão. Seus rostos nublados e olhos inchados eram acompanhados por outras três pessoas que carregavam o caixão. Um homem gordinho e barbudo, um homem com aparência velha e olheiras e um outro garoto jovem com cabelos compridos, volumosos e cacheados que ondulavam ao ritmo de seus passos calculados. Ele estava pálido e de todos os que levavam o falecido e era o mais escandaloso com seu pranto, apesar de os três garotos jamais o terem visto na vida.

Em sua despedida final, assim que baixaram o caixão dentro da sepultura, o pequeno grupo de garotos de juntou à uma moça que tinha os cabelos cor de rosa bebê, que agora soluçava e chorava a plenos pulmões. Ninguém tentava fingir que não estava incômodo ou deslocado com a situação. Os três garotos abraçam a garota recém chegada e lhe sussurram palavras de conforto ao pé do ouvido. Mas todos sabem que é tudo mentira. Porque uma vida jovem demais havia posto um fim em si mesma.

- Ah... eu daria tudo o que tenho para impedir isso - disse ela entre seus soluços inacabáveis - tudo mesmo.

Pétalas de rosas eram jogadas na sepultura ainda aberta. Discursos breves foram feitos e outra chuva de pétalas e flores cor de rosa fora jogada dentro da sepultura, mas o garoto que usava óculos escuros não estava olhando. Abraçava aos outros o mais forte que podia evitando de olhar a terra cobrindo o caixão que levava dentro o corpo já inerte de seu melhor amigo. Era duro imaginar o tão animado e colorido Ryan Ross, que antes era o que trazia vida às manhãs chatas e duras de terça e quinta no colégio, que gritava coisas aleatórias só para trazer um sorriso pro rosto dos amigos, o Ryan Ross que flertava com a única garota de seu grupo de amigos só para que Ethan ficasse com ciúmes, morto e agora sendo enterrado. Apenas com dezenove anos.

- Ainda não acredito que ele fez isso mesmo - disse o garoto mais alto - é tão... tão... - mas ele não conseguiu terminar sua frase. O garoto dos cabelos presos o interrompeu.

- Covarde. Ryan não tinha o direito de fazer isso com a gente - desabafou entre os dentes - É tão covarde que deveria ser a porra de um crime.

Depois de um tempo, tudo já tinha acabado. O corpo de Ryan já havia sido sepultado, mas a realidade ainda não batia na porta dos melhores amigos. Os quatro saíam do cemitério pisando na grama com um pesar avassalador, mas não sem antes prestar atenção no túmulo uma última vez: o garoto loiro com cabelos enormes estava em pé, sozinho, em frente à lápide de Ryan como uma figura solitária. Parecia ler o epitáfio do garoto, e depois de se agachar para dar um beijinho rápido na lápide, encostou a testa na pedra de mármore branca e chorou por um tempo. Depois, já quase dez minutos de todos terem saído, pousou uma coroa de flores na lápide com um esmero especial. Se despediu fingindo animação, provavelmente porque era assim que ele se despedia de Ryan em vida. Tremendo bastante, ele passou pelos garotos que estavam esperando por algo na porta do cemitério. Um casal o esperava também, e o abraçou com força enquanto ele ainda soluçava.

- Lorenzo... O que a gente faz agora? - questionou a garota com voz frágil, observando a cena de longe. O garoto loiro desconhecido parecia a ponto de desmaiar.

O rapaz alto agachou a cabeça. Ele também estava prestando atenção no rapaz louro que agora era carregando para dentro de um sedã negro reluzente.

- Eu não sei - desabou ele - eu não sei mesmo.

- Ah, Jura? - provocou o garoto da touca - é sério, Audrey? Você esperava que a gente fosse pra porra de uma balada enquanto nosso melhor amigo está morto? - berrou - ninguém sabe o que fazer quando o melhor amigo morre, caralho.

Audrey voltou a chorar.

- Escutem. Brigar entre nós não vai adiantar porra nenhuma! - esbravejou - Ethan, você é tão estúpido que me faz parecer um cordeirinho fofo. Acha mesmo que Audrey vai ficar feliz agora que tá sem namorado?

Lorenzo limpou a garganta.

- Axel, tá tudo bem. Não precisava dar uma patada assim nele - suspirou demoradamente - por enquanto, o melhor que podemos fazer é um para casa. Espairecer. Pensar, encher a cabeça com alguma outra coisa, eu não sei.

Axel suspirou.

- É. É o que tem pra hoje, né? - constatou Axel - e... acho melhor a gente faltar na aula amanhã.

Ethan completou o comentário.

- Amanhã a escola iria ser um inferno... acho que nem mesmo vão abrir o colégio.

- É por isso que Axel tem razão - murmurou Lorenzo - nós não vamos. Temos todo o direito de ignorar uma apresentação de trabalho estando de luto. Eu... eu não consigo pensar em outra coisa senão Ryan.

Audrey assentiu.

- Por favor... não desliguem seus celulares - implorou a garota, seguindo o caminho para o carro de sua família.

- Não vou - rebateu Ethan.

- Nem se eu quisesse - afirmou Lorenzo.

- Desligar meu celular não vai trazer Ryan de volta - rosnou Axel - Eu pelo menos espero que vocês consigam dormir algo essa noite.

Os quatro amigos se separaram em silêncio, encarando suas mãos, mordendo lábios, segurando choro, abraçando a si mesmos, sem saber como reagir ou o que fazer.

Mas não havia nada que pudesse ser feito.

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