Diário de Artemis, 1

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(24 de maio de 2009. Rye, Sussex, Reino Unido. 02:14.m. Do diário de Ryan Artemis Ross)

Hoje foi um dia muito cansativo.

Não digo cansativo de ser ruim, digo cansativo no sentido de ser agitado demais pra mim; foi divertido pra caralho, eu não vou mentir. Senti as borboletas no estômago a cada decisão. Nem parece que estou devendo dinheiro a Deus e o mundo, pelas minhas risadas.

Hoje, finalmente, juntei a coragem suficiente para ver quem eu deixei plantado, esperando por quase uns seis anos sem manter o mais mínimo contato: Elliot Austin.

Elliot fez aquele truque das cartas de tarot de novo enquanto saíamos da sede da gangue mas é melhor descrever como foi que o encontrei.

Não sei quando ele começou com isso das cartas, mas... é impressionante. Ele é simplesmente incrível. Quando cheguei, na esperança de ver um garoto meio careca com olhos esbugalhados e uma pança esquisita de criança, eu encontrei  um garoto musculoso usando uma jaqueta puída de couro de gangue rosa vinho sem camisa por baixo com um olhar penetrante, cabelos compridos e duma cor que não sei definir, bem volumosos estilo anos 80 e jeans largos demais, brincando com um baralho místico no balcão de bebidas. E ele estava fumando. Não o reconheci de primeira.

Não quero admitir, mas Elliot mudou demais desde a última vez que nós nos vimos pessoalmente. Quando foi? Há cinco anos atrás? Seis? Sete? Eu não me lembro mais. Ele está mais alto que eu. Parece mais forte. Deixou o cabelo crescer. Acho que depois que comecei a andar com os meninos, me desprendi dele... não. Não tem pra quê mentir; Elliot era o típico garoto estranho que ninguém chegava perto dele de propósito, eu cresci e abandonei ele, esqueci que existia porque não era conveniente, se alguém me visse falando com o aluno estranho, minha reputação já era. E acho que ele está um pouco sentido com isso, mas não sei dizer isso ao certo.

As cartas de tarot que eu escolho hoje pareceram mostrar meus piores segredos pra ele, assim, de bandeja. E ele não quer me contar a verdade sobre algo; ele está esquisito, sinto isso. Elliot, Elliot, Elliot... o que voce está escondendo de mim?

Sei que você ainda é aquele livro aperto, você abre com o mais mínimo toque... eu acho que dá próxima vez que te ver, vou ter que te abrir na marra.

“Oi, eu gostaria de falar com a Sra. Kings” eu disse pro bartender. Com um sorriso divertido no rosto, ele continuou olhando para as cartas viradas, sem responder me olhando no rosto.

“Então vossa mercê tá atrasado, amigo: Eleanor Kings empacotou. Já vai fazer uns bons dez anos”.

Sua voz me assustou. Era grave demais para ser a voz de alguém com só quinze anos, que é o que aquele cara aparentava ter.

“Wow... É sério?” eu susurrei, “Então você sabe onde está Elliot Kings? Ele é filho dela, é filho único. Sou um... Amigo da família, acho. Meu nome é Ryan. Ryan Artemis. Preciso saber do paradeiro dele, é muito importante mesmo, cara”.

Aquele cara riu, girou uma das cartas na mesa, fez biquinho e se jogou deitado no balcão de um jeito esquisito tentando parecer sexy. Funcionou.

“Você tem sorte, cara. Está olhando para Elliot Kings”, ele disse, me mostrando a carta que tinha na mão.

“Ela está me dizendo que você iria me procurar tem umas três semanas, Ryan”. Eu consegui ler “A Papisa” numa carta colorida com uma mulher usando roupas da igreja. Ele a guardou no baralho de volta.

É. Elliot cresceu muito.

Conversamos horas a fio sobre como estavam nossas vidas longe um do outro; bem, não contei para ele que ando endividado tem um tempo, porque... ele estava radiante. Se ele me comtou algo importante, não ouvi, apenas fingi. Ia ser pecado contar isso pra ele e acabar com o dia dele. Contei sobre meus novos amigos, claro, os Rye Five, e Elliot pareceu nervoso. Perguntei o que foi, e ele mordeu um lábio. Não me respondeu. Então continuei narrando minha vida londe de Birmingham. Sobre como os verões agora eram menos perigosos e um pouquinho mais chatos. Mentira, mentira, mentira.

Ele sabe o porquê de eu ter que sair de mala e cuia da cidade grande. Ele sentou comigo numa mesa redondinha do bar e me serviu uma cerveja numa caneca enorme. Me senti ridículo por não beber, então tomei aquele negócio. Mas enquanto eu tinha tomado uma só, Elliot Kings já tinha tomado umas seis, ou sete. E misturado com algo que acho que era uísque. Sem gelo. Puro. Seco. Mas algo estava me incomodando.

Ignorei isso estoicamente. Continuamos brincando e falando merda, rindo e botando a conversa em dia. Elliot tinha o direito de sangue de ser parte dessa gangue porque seus pais eram membros daqui; ele sumiu porque foi pros Estados Unidos para morar com seu padrinho, o Dr. Tobey; merda... eu errei meu palpite, porque o Dr. Tobey agora está morto. Sem os pais, meio que uns dos bandidos assumiram a guarda dele, junto dum cara famoso que meio que "adotou" ele por debaixo dos panos a mando da mãe dele. E é por isso que ele tá de bartender ali. Depois saímos de lá e fomos até uma fazenda velha pertinho dali, onde ele estava morando com esse cara. Ele vestiu uma camiseta branca dos anos oitenta e começamos a matar tempo falando de tarô.

Dinheiro. Cassidy Tobey Grey tinha dinheiro. Era tudo que eu preciso ouvir. Se os padrinhos dele têm grana, Elliot tem grana.

Eu estou salvo. Só preciso dizer as palavras certas e a dívida já era.

No fim... não consegui nem tocar no assunto da minha falta de... Eu não pude. Elliot já passou por merda demais. Mas... o que é que eu vou fazer? Vou precisar dele.

Mas... tive que realmente contar dos meus amigos para ele. Ele ficou triste no fim do dia quando soube que eu não iria dormir por lá. Que eu não iria voltar pra cidade grande. Que eu tinha algo que fazer.

Depois veio a tarde. Quando fiquei com o Rye Five. Cara, hoje foi épico. Tomamos banho no lago, comemos chocolate que nem um bando de idiotas, tiramos um bilhão de fotos e depois tomamos chocolate quente na lanchonete da família do Ethan. Foi a coisa mais relaxante do mundo, mas o pessoal perguntou porque eu faltei. A primeira coisa que eu disse foi “Ebola. Suspeita de ebola”. Espero que eles comprem, porque não estou nem um pouquinho a fim de dizer a verdade para eles. Ainda quero Elliot Kings como meu segredo favorito”.

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