Capítulo II

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– capítulo II -


Fomos acomodados em uma mesa no centro do bar. O local não era muito grande, mas era bem aconchegante. Possuía paredes de tijolinhos, uma área aberta, de onde podíamos encarar a lua e um pequeno palco onde os alunos se apresentariam. Eu e Ricardo sentamos de um lado, enquanto Flora sentou do outro lado, em nossa frente. O rapaz passou os braços pelas minhas costas, abraçando-me, e eu dei um sorriso encabulado, meio sem graça e desconfortável, enquanto sua irmã parecia imersa nas informações que o cardápio trazia.


– O que vai querer? – Ric indagou para mim, encarando-me nos olhos.


– Hm... Acho que um suco de maracujá! – Sorri para ele, tentando ignorar sua irmã, que estava sentada na minha frente.


Ele sorriu de volta, era o que sempre pedíamos quando ele não bebia uma cerveja.


– Então serão dois, porque hoje eu não vou beber! Ao menos, não até a hora da apresentação – disse, decidido e senti orgulho de Ricardo. Não que eu fosse contra bebida, mas, por não beber, ele me faria companhia.


– Qual é, devíamos virar uma dose de tequila! – Flora me pegou de surpresa com sua colocação, eu jurava que ela sequer estava escutando nossa conversa.


Ricardo riu divertidamente, eles pareciam se entender bem, o que me deixou, subitamente, enciumada.


– Hmm, depois para comemorar podemos tudo, mana! Mas antes da apresentação... – Ele não terminou a frase.


Flora fez uma careta, revirando os olhos.


– Sempre politicamente correto!– ela resmungou, fazendo cara de tédio. – Vai por mim, conselho de quem já se apresentou algumas vezes, um pouco de álcool sempre ajuda! – Ela deu uma piscadela e por um instante eu fiquei hipnotizada nela.


Quando Flora olhou em minha direção, tentei disfarçar, torcendo para que ela não tivesse percebido. Fui salva por Ric, que logo emendou em um novo assunto:


– Ahh, eu nem te contei, Ceci! – Ricardo exclamou e eu olhei para ele, tentando quebrar meu ato involuntário de encarar Flora toda vez que ela falava ou se mexia ou respirava. – A Flora toca baixo, ela tinha até uma banda quando era mais nova!


– Que legal! – Desta vez encarei a morena, que me olhou de volta. Diria que foi a primeira vez que nos encaramos sem disfarces, sem peças do meu inconsciente. – Qual era o nome?! – Achei que era educado puxar algum tipo de assunto.


– The Soul! – Flora respondeu com certo orgulho. – Ainda temos alguns singles no Youtube, mas, infelizmente, a banda acabou... Sabe como é, faculdade... Vida... Trabalho... – Ela deu de ombros, chamando o garçom que passava por perto.


Ricardo fez questão de falar os pedidos, como sempre, muito gentil:


– São dois sucos de maracujá e... – Os olhos verdes dele encararam a irmã.


– E uma caipirinha de morango! – Ela sorriu, falando diretamente para o garçom.


Conforme os primeiros alunos foram se apresentando, pude perceber que Ricardo, ao meu lado, foi ficando mais inquieto e ansioso.


– Eii... Calma! Eu acho que vou pedir um terceiro suco de maracujá pra você! – Disse sorrindo e segurando a mão do rapaz que estava gelada e suava frio. – Eu tenho certeza que você vai se sair bem!


– Ihhh... Esse aí é assim mesmo! Mais ansiedade que altura e, pela altura dele, você pode ver o que isso significa! – Flora brincou e foi a primeira vez que senti a barreira diminuir entre nós duas. Sorri e tive a impressão que compartilhamos, naquele instante, do mesmo sorriso.


– É que... – Ansioso, ele apontou para onde um rapaz que arriscava um solo de guitarra se apresentava. – Olha esse palco... É... É demais! – Ricardo sorriu e foi impossível não sorrir junto com ele, eu sabia que era um sonho que se realizava. Então, o rapaz pareceu se lembrar de algo: 

– Ei... Mana, pode tirar uma foto nossa? – Ele entregou o celular para ela, que prontamente pegou o aparelho.


Nos posicionamos abraçados, como nessas clássicas fotos de casais.


– Claro! Sorriam – Flora disse, enquanto preparava o celular para tirar a foto. Eu olhei para a câmera, mas instintivamente meus olhos foram na direção do rosto dela, sorri ao observar as bochechas coradas que ela tinha após duas caipirinhas e uma cerveja e, para minha surpresa, ela sorria de volta. E eu, que não era de beber, pela primeira vez entendi quando escutava que o álcool aproximava as pessoas.


Será que ele seria capaz de aproximar nós duas? A pergunta permaneceu em minha mente.
A vez de Ricardo chegou e, junto com ela, vários sentimentos misturados. Ele se levantou duas músicas antes da sua vez de subir no palco, e ficamos eu e Flora, naquela mesa minúscula que, de repente, parecia gigantesca por nos separar.


Quando o rapaz subiu no palco com as baquetas em mãos, Flora se levantou e assoviou com os dedos. Pela primeira vez percebi a tatuagem que ela tinha no punho. Era metade uma lua azul e a outra metade uma estrela. Pensei no significado que aquela tatuagem poderia ter, o que a havia levado fazê-la e, quando me dei conta, meu namorado já havia começado a tocar e eu estava lá, encarando sua irmã.


Repreendi minha mente por ser tão incoerente, por fazer uma coisa dessas. Onde eu estava com a cabeça? Com certeza não era em Ricardo.


– Eii... Se importa? – A voz dela me trouxe de volta à realidade.


Flora apontava em direção à pista e as várias pessoas que lá se divertiam, dançando ao som da música.


– Claro que não, fique à vontade! – Sorri para ela, a morena sorriu de canto, retribuindo.


Eu tinha um meio sorriso, alguns olhares e poucas palavras dela. Não era muito, mas já era alguma coisa. O suficiente para me arrancar sorrisos e me perder em pensamentos.


Flora seguiu para a pista onde algumas pessoas curtiam os solos de bateria que Ricardo fazia. Ele era bom, eu tinha que admitir. Mas observar a irmã dele, dançando, vibrando com a música, era ainda melhor. Eu não me sentia a melhor pessoa em confessar isso, na verdade, eu sequer entendia o motivo daquela minha fixação em Flora. Mas havia algo nela que se assemelhava a mim. E, por mais distante que fôssemos, essa semelhança nos aproximava.


Meus olhos captaram cada um dos movimentos daquela moça, embora ela, vez ou outra, se perdesse na multidão, eu sempre tinha a capacidade de encontrá-la novamente. Como se o nosso destino fossem aqueles encontros, como se estivéssemos destinadas a nos encontrar. 

Aquela noite, enquanto a encarava se divertindo na pista, eu senti algo que nunca havia antes sentido, uma vontade de pular daquela cadeira e me juntar a ela, uma inquietude interior e um calor que subia por todo o meu corpo.

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