Capítulo III

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– capítulo III -


– Você vai sair de novo? – Meu pai ciumento retrucou ao me ver sentada na penteadeira do quarto, quase pronta para sair.


– Sim, vamos para um barzinho na Vila Madalena encontrar alguns amigos – respondi enquanto terminava de me aprontar no quarto, colocando um brinco argolinha na orelha esquerda.


Não era a verdade. Nem passaríamos perto da Vila Madalena. Eu não gostava de mentir, e nem costumava mentir. Mas sabia que, se falasse a verdade em casa, seria um Deus nos acuda.


Sabe aquela história de que para os nossos pais nós sempre seremos crianças?! Não importava se eu tivesse dez, quinze, vinte ou trinta anos. Como filha única, meus pais sempre me enxergariam como a menina indefesa, despreparada para as ameaças mundanas.


A verdade era simples, mas no momento não merecia ser contada em casa. Ricardo morava em uma casa na Zona Norte de São Paulo e, agora que a irmã havia voltado, os dois sustentavam a casa juntos. Os pais deles, há sete anos, decidiram que a praia era o local ideal para aproveitarem a aposentadoria. Mudaram-se de mala e cuia para Ilha Bela, no litoral norte de São Paulo, e, desde então, a vida entre os caiçaras era a realidade deles. A aposentadoria e a pequena pousada que montaram era renda mais do que suficiente para os dois.


Meu pai me analisou mais uma vez, respirou fundo e seguiu pelo corredor. Eu sabia que ele discordava da minha atitude de sair tantos dias seguidos. Eles não estavam acostumados, afinal, eu sempre fora uma garota muito caseira e que em raras exceções deu trabalho.


Tomei um certo cuidado, confesso, na hora de escolher a roupa. Inconscientemente eu queria estar bonita e preparada caso eu encontrasse Flora, e esta pontinha de esperança era o suficiente para fazer com que eu ficasse visivelmente ansiosa. Mas, ao mesmo tempo, eu não queria perder a essência da minha personalidade.


Se me perguntassem o porquê dessa ansiedade toda, eu não saberia explicar. Como eu disse no início, meu interior vivia constantemente em tempestade... que estava começando a se transformar em um tsunami.


Eu não sabia se sentia desejo por ser como Flora, se tinha admiração ou se havia outra coisa cujo nome eu ainda não sabia.


Ricardo chegou pontualmente às cinco horas. Assim que o Gol vermelho estacionou na frente do prédio, corri para entrar em seu carro.


– Recuperado da aula de Lindy Hop ontem? – indaguei assim que ele me cumprimentou com um selinho ao abrir a porta do carro para mim.


Mas ele só me respondeu quando já estava dentro do carro novamente:


– Um pouco... Nada do que muito suco de maracujá, uma pomada de arnica e um sono de doze horas não tenha resolvido! – Ele brincou.


– Não sei como consegue. – Acabei rindo, coloquei o sinto de segurança e partimos em direção à casa dele.

Eu morava relativamente na parte central da cidade, o que, na teoria, significava que era perto de tudo e que em poucos minutos chegaríamos na casa de Ricardo. Mas essas suposições ficavam só na teoria. São Paulo era, em certos dias, intransitável, em especial os dias em que haviam clássicos de futebol.


– Espero que não se importe, mas Flora está em casa com alguns amigos para assistir a São Paulo contra Palmeiras.


Senti meu coração palpitar mais alto assim que escutei seu nome. Ela estava em casa, isso significaria que nos encontraríamos.


Recuperada da notícia, respondi:


– Ela é São Paulina também?! – perguntei, embora futebol não fosse o meu forte, tentando descobrir mais daquela moça, já que Ricardo era a única fonte que me ligava a ela.

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