Ela Partiu

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Sarah estava na sala, sentada no sofá, com o olhar desfocado e uma caneca de chá na mão. Ela tinha passado a noite acordada. Eram 7:15 da manhã de uma terça-feira e há poucas horas atrás, Sarah havia presenciado mais um amanhecer na cidade, deitada em seu sofá, observando a paisagem que ela pensou que jamais pudesse enjoar. Mas parecia que esse dia tinha chegado. Aquela paisagem era dolorosamente familiar e parecia ser tudo que ela conhecia na vida.

Sarah lembrava-se de que há seis meses atrás ela estava ali, naquele mesmo sofá de frente para a mesma paisagem com Carina pela última vez. Embora nos últimos dias Sarah tivesse se recordado muito das boas lembranças que passou ao lado da amiga, dessa vez, ela lembrava sobre algo que despertava sentimentos confusos e densos.

*

— Você é uma insensível do caralho! — gritava Carina.

— Me diz uma novidade. — Sarah dizia calmamente. Carina odiava a forma como a amiga conseguia se manter calma diante das discussões. — Toda semana você arruma um motivo pra me chamar de insensível. — afirmou. — Dessa vez sou insensível por não concordar com você estar indo atrás de uma situação que vai te frustrar.

— Como você pode ter certeza disso? — Carina perguntou, alterando ainda mais o tom de voz. — Eu odeio a forma como você acha que sabe de tudo! — vociferou.

— Já passou pela sua cabeça que eu realmente posso saber de tudo? — disse Sarah, com um ar levemente sarcástico no tom de voz. — Talvez eu te conheça o suficiente pra saber que você tá sempre buscando um drama pra sua vida.

— Sempre buscando um drama? — Carina bufou. — Você acha que sabe de tudo, né? — disse apontando o dedo para o rosto da amiga. — Uma grande escrota do caralho que sempre sabe de tudo.

— Rina, me fala, quantas vezes eu já disse que você iria se decepcionar, você pagou pra ver e voltou com o rabinho entre as pernas porque se decepcionou? — Sarah disse enquanto sentava do lado da amiga no sofá. — Você tem dois pais perfeitos, na medida do possível. Eles fazem literalmente qualquer coisa por você, mas você quer ir atrás de uma mulher que te abandonou quando você era um bebê recém nascido? Você precisa mesmo disso?

Carina abaixou a cabeça, olhando para as próprias mãos repousadas sobre o colo e respirou fundo. Limpou uma lágrima que escorregava de seu olho e disse:

— Eu quero olhar no rosto dela pela menos uma vez. — disse, com a cabeça baixa. — Pelo menos uma vez, eu quero ter a chance de ver como ela é. Eu sinto que preciso disso.

Foi a vez de Sarah de respirar fundo enquanto estendia a mão para tocar o rosto de Carina, levantando-o. Sarah ficou ali sentada, olhando fundo nos olhos da amiga durante alguns minutos. Carina achava intrigante o fato de Sarah ter essa mania de olhar nos olhos das pessoas durante um tempo, sem dizer uma única palavra. Por vezes, ela tinha a impressão de que a amiga podia ler o que se passava em sua mente.

Sarah tocava o rosto de Carina como se ela fosse feita de porcelana. Bonita e frágil, ela dizia mentalmente. Pensava sobre como a amiga era uma mulher confiante, inteligente, mas extremamente sensível ao mesmo tempo. Ela sabia como Carina levava uma marca de rejeição. Mesmo tendo crescido num lar amoroso, com um futuro garantido, Carina sentia a necessidade de entender como a mãe biológica pôde ter coragem de se desfazer dela, sem nunca olhar para trás durante todos esses anos. Sarah levava internamente a conclusão de que a amiga criava problemas para a própria vida.

— Ás vezes eu sinto que você pensa que a vida tem que ser como esses dramas que você coloca pra gente assistir. — Sarah falou, por fim. — Mas, se é isso que você precisa, eu te apoio. Sempre.

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