34. PÉTALAS

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Cidades queimadas e céus de napalm
Quinze chamas dentro daqueles olhos de oceano
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34.


     O brilhante garfo girava periodicamente pelo ar, em um movimento semelhante ao de um moinho. A sua estrutura metálica vez ou outra refletia alguns pontos de luz, espalhados pelo refeitório, trazendo a minha concentração total sobre ele. No entanto, meu foco exclusivo não se perdurava muito tempo, uma vez que os acontecimentos ao meu redor eram muitos mais interessantes que observar o garfo se  movendo com a minha telecinesia.

As coisas eram diferentes na Fazenda, e a todo instante isso me era perceptível. Além das políticas mais humanistas, havia também a possibilidade de realmente crescermos em nossas habilidades. Não era como na Área 51, onde o Comando sempre nos impunha algum obstáculo. Sob a tutela de Carl, nós podíamos acessar os nossos "dons" sem estarmos submetidos à um Campo de Simulação, de forma que eles passassem a ser naturais em nosso cotidiano e não apenas em dois dias na semana. Aqui eu poderia ficar entediada movendo um garfo com a mente enquanto aguardo o almoço; do mesmo modo que na mesa de Zoe, alguns aprimorados se divertiam com Audrey Lee abraçando uma faca, em um tamanho completamente minúsculo.

A cena era cômica e irreal, e eles riam tão alto que suas gargalhadas se misturavam com os pensamentos em que eu escutava; sequer pareciam os mesmos aprimorados que vagavam moribundos pelos corredores da Área 51. Agora era fácil de entender o porquê do Comando nos aprisionar e oprimir: Esperança é algo perigoso demais para dar as pessoas.

Percebo nitidamente enquanto encaro a lânguida e depressiva Zoe se transformar em uma garota bonita e sorridente em tão poucos dias. Francamente, ela era quase como um fantasma; andava colada nas paredes frias, praticamente invisível.

E se pudéssemos ler apenas a mente dela? Meu subconsciente sugere pela décima vez.

Desde ontem pela madrugada — quando comecei a treinar a minha habilidade por conta própria — tenho sido coagida a explorar a minha telepatia também, de modo que eu pudesse adquirir uma melhor disciplina sobre ela. No entanto, sempre quando essa sugestão surge, tento afastá-la, mesmo que meu cérebro tente me convencer, usando os meus avanços telecinéticos como argumento. Não posso negar, a sensação que acompanhava a minha curiosidade por desbravar minha outra habilidade era sedutora e estranha, como se um lado desconhecido meu aflorasse. É quase como se eu pudesse ouvi-la dizer:

"Venha e pegue!"

Todavia, constantemente tentava afastar aquela tentação. Ora, lá no fundo, algo me dizia que a minha telecinesia era perigosa, mas que a minha telepatia era cruel. Que a minha telecinesia poderia destruir o outro, mas a minha telepatia a mim mesma.

Sentia um enorme receio de atravessar as camadas dessa habilidade sem o auxílio de Green, entretanto, a minha inclinação para estava cada vez maior.

Continuei a observar Zoe, que agora segurava Audrey em miniatura em sua mão. O seu sorriso deixava seu rosto com um aspecto ainda mais pueril, assim como suas bochechas coradas e o cabelo fino que caía em sua testa.

Anda, Violet! Você consegue ouvir apenas o que ela pensa! Assim como fez com Edward, assim como fez com Henry.

Novamente a sugestão retorna, e eu me sinto cada vez tendenciosa, haja vista que o refeitório cheio e o falatório seriam uma perfeita camuflagem.

Ninguém vai perceber! Anda! Você não quer estar um passo à frente de Hamilton?!

Apesar do meu coração acelerado e do enorme receio, sou convencida pelo estranho lado da minha mente. Movida por uma curiosidade angustiante, desço o garfo até a mesa e fecho os meus olhos, buscando a maior concentração possível. Mentalizo o rosto de Zoe e tento buscá-la com a minha telepatia, sem ultrapassar a linha do meu subconsciente. As vozes mentais continuam adentrando, fazendo com que busque um foco ainda maior.

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