Você não vai voltar?! Tudo bem... Entendi agora...

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– Ele morreu P'Tew! Ele morreu! Olha esse sangue!

– Fica quieto Dae! Ele não está morto. Deve ter batido a cabeça, esse banheiro está uma zona! Me ajuda aqui a levar ele para a cama.

– Ele está tão leve, né?

– Ele está magro... não come!

– Tadinho... será que ele está mais alegrinho agora?

Tew verificou o lugar de onde saía sangue comentando:

– Pelo tamanho desse galo, quando o bicho começar a cantar...

–Falei com o P'Aim, ele disse que o maluco do P'Arthit queria dormir... será que...

– Ele mesmo se golpeou para ficar desacordado? É possível. E é até razoável... um galo é menos angustia do que noites insones...

– Sim, sim, sim... ele queria sonhar com P'Kong... não é lindo, querido?

– É, sim, lindo. E doentio! Vocês não se emendam, não é? Não vê que essa obsessão é péssima?

– P'Aim contou que K'Kerkkrai disse que o chateamos com nossa mania de não falarmos mais do P'Kong...

– Sei que ele não gosta, mas é o melhor.

– Se você morresse eu não iria querer parar de falar de você.

–Não é isso, Dae... é que o P'Arthit não está bem...

– E vai ficar pior com esse galo...

– Deixa uma aspirina aí do lado e um bilhete para ele colocar gelo. Deixe ele se virar... Se Kongpob pudesse voltar do mundo dos mortos e ver como P'Arthit está, ia se arrepender sozinho de tê-lo mimado.

– Ele já melhorou um bocado! Hoje ele foi sozinho até aquela lavanderia.

– Ele foi lá? Justo lá onde Kong morreu?

– Para você ver como ele já está melhorando!

– Para mim ele está é piorando... vamos, Dae. Não devemos estar aqui quando ele acordar...

***

Não dava para saber quem tinha mais razão, entretanto, o pobre Arthit acordou com a cabeça latejando, com dois enormes galos. Olhou o espelho sem muito entusiasmo. Seus olhos estavam apagados... Pareciam boiar tristonhos sob o bolsão negro das olheiras que ele acumulara. Estava ligeiramente mais magro, o rosto de expressões delicadas estava sulcado, manchado por algum sangue seco que Dae e Tew não tinham conseguido limpar. Estava feio. Não tinha sonhado com coisa alguma e agora uma dor estúpida latejava a sua cabeça.

Inconformado, rodou a casa toda até achar o bilhetinho de Dae com a aspirina do lado. Tomou o remédio com um copo d'água, mas como não comia e não estava costumado ao tipo de medicamento, passou mal do estômago. Vomitou o remédio e acabou ficando enjoado e com mais dor de cabeça. Não tinha certeza se era justa a punição dos deuses ou qualquer coisa que fosse, mas estava sofrendo. Sua vida se transformou num pesadelo interminável, um labirinto de espinhos. Olhou para os lados, já ameaçando um ataque de pânico, quando vislumbrou uma foto de Kongpob... Era um príncipe. Os olhos pareciam uma cobrança, a voz em seus ouvidos: "retire o que disse".

– Kong! Maldito! Não me olhe assim! _ agarrou a moldura e estilhaçou-a contra um dos móveis. _Seu miserável! Apareça em meus sonhos, apareça!

Tomou a foto junto de si, os olhos do  moreno o encaravam serenos. Lembrava-se do dia da foto. Ele ria feliz porque Arthit queria fotografá-lo, estavam a passeio. Era um dia claro... feliz... que nunca mais se repetiria novamente:

– Eu te amaldiçôo! Você ouviu? Nunca você vai ficar em paz! Que você NUNCA descanse em paz enquanto eu viver! Nunca! Você está me olhando desse jeito por que acha que eu sou o culpado? Acha? Então me assombre! Apareça nas minhas noites, puxe meu pé, me maltrate! Me faça mal! Mas não me ignore... não me deixe sozinho de vez! Me amaldiçoe também... me amaldiçoe com sua presença, me enlouqueça com suas aparições, mas não me deixe sozinho! Não é possível que você já esteja no paraíso! Que sua alma já esteja descansando, não pode! A minha dor não o perturba? Não? Fale algo! Fale!

Atirou-se na cama com a foto agarrada ao ventre, chorando e soluçando. Ficou lá por horas, os dedos retesados sobre a foto, esperando que Kongpob surgisse de algum lugar do mundo dos mortos para humilhá-lo ou amaldiçoá-lo. O mais novo não apareceu, as lágrimas de Arthit não cessaram, até ele dormir vencido pela tremenda exaustão acumulada de dias e lavada pelo choro compulsivo.

Naquela noite, finalmente, dormiu longamente. Se Kongpob assombrara seus sonhos, ele, desgraçadamente, não se lembrava. Acordou sem lembranças e com a dor daquela saudade fustigando-o como um ferro em brasas. Chorou por horas durante a manhã, forçando-se a comer uma maçã. Já também não conseguia saber porque chorava, mas as lágrimas eram um mecanismo eficiente de descarga. A tensão que não era aliviada com o sono vazava de seus olhos. Andava em círculos na casa vazia. Não havia nada. O vazio engoliu sua vida.

***

Depois de algumas noites de sono leve intercaladas com madrugadas de horror insone, Arthit tomou uma sábia decisão. Não ia ficar chorando pelo que não podia mais ser mudado. Era inútil esperar Kongpob em seus sonhos e desejá-lo ardentemente durante o dia, esperando que seu amor o materializasse diante seus olhos. Devia conformar-se com o destino. Era seu destino vagar sem alma sobre a terra até o dia da sua morte. Mas já que não morrera de vez, era preciso continuar... Era preciso viver.

Resolveu-se começar por tomar a iniciativa de visitar Kerkkrai e sua familia contar a eles sobre seu relacionamento duradouro e turvo... Sentiu que de alguma forma devia a eles... Custou lágrimas e dor. Arwena e ele não se entendiam. Batiam de frente sempre, o tempo todo, pois ela não aceitava o fato do filho ter sofrido naquela relação secreta.  Aos poucos retomou o trabalho e foi bem recebido por seu grupo no departamento de compras que acabou descobrindo seu namoro com Kongpob. Ele já não se importava mais...





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Garoto ingênuoOnde histórias criam vida. Descubra agora