Capítulo III - Aniversário

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Dois anos haviam se passado desde o acontecimento anterior. Era quinta feira, 15 de junho de 2000, meu aniversário. Naquela data eu estava fazendo 11 anos de idade. Sem dúvida, um marco essencial em minha história de vida. Contudo, algo pairava dentro de mim, tal comemoração era de fato precisa? Sentia-me um fardo difícil de se carregar, além do mais, boa parte das pessoas convidadas não se importavam com a minha pessoa.

Durante esses dois anos, houveram seus altos e principalmente, baixos. Momentos que me fizeram refletir por toda uma vida.

Minha mãe entrou em depressão. A tendência não era de melhora, mas uma constante queda. Após ouvir a conversa de minhas tias, descobri o que de fato aconteceu com meu pai; adultério. Ele havia fugido com uma mulher mais nova e abandonou sua família sem pensar duas vezes.

Ouvi por muitas vezes, longos desabafos de minha mãe, sua exaustão emocional de dar conta de tudo, de ser a provedora do lar. Pergunto-me se as coisas seriam diferentes se não estivesse aqui. A realidade, ela é decepcionante. Nada podia fazer, era criança.

Tal situação me fez carregar um medo constante dentro de mim, não sabia como me expressar. O medo prevalecia em mim, pequenas atitudes minhas pareciam não ser de todo algo relevante para outra pessoa. Criei um ideal onde ninguém deveria ter de lidar com meus problemas, deveria suportar meus problemas sozinho. Afinal de contas, ninguém se importa se uma criança está triste; afinal, é apenas drama, ela anseia por atenção.

Ouvi muitos comentários, como:

— Ah, isso é porque nunca apanhou. Se houvesse apanhado, não estaria assim.

E coisas como essas se repetiam. Não ter um ambiente onde poderia expor uma parte de mim me fizeram não querer compartilhar nada com ninguém; o pesar de palavras duras me consumia. Decidi que iria ser forte, levaria comigo esse fardo — que sou eu; E então, tornaria a vida um pouco melhor para quem estivesse comigo.

Novamente, me vi imerso nos jogos.

João Salvatori era um dos poucos amigos que tinha, desde o dia que o conheci jogando um jogo de futebol em uma lan house, conseguimos nos tornar bons amigos. Apesar que, raramente falávamos muito sobre a vida, gostávamos da atmosfera de jogar e de compartilhar um pouco da parte boa da vida.

Era alguém que sabia que poderia confiar, mas senti que ele não precisava saber de todas minhas lutas diárias. O que me fez refletir, eu também não conhecia muito sobre ele. Apenas que ele gostava de jogos e tinha um humor questionável.

Na tarde do meu aniversário, João me chamou para brincar na rua. Perguntei minha mãe e ela permitiu que eu fosse. Decidimos brincar de polícia e ladrão.

Fomos alertados para não ir muito longe, disseram que nosso bairro estava bastante perigoso para ficar brincando na rua, então decidimos chamar mais gente.

Haviam outros garotos que moravam perto da minha casa também, a brincadeira estava prestes a começar.

Eu era o policial, teria que procurar pelo resto e prender eles, estava bastante competitivo para ser sincero. Era bom distrair-se dos problemas de casa e estar com outras pessoas da minha idade. Me senti uma máquina na busca por pessoas, faltava apenas um:

— João Salvatori, sei onde você está! Afirmei, mesmo sem ver ele.

Tinha uma forte intuição que iria encontrar ele.

Perto de uma antiga igreja próximo a minha casa havia um beco, me perguntei se ele também estava levando a brincadeira tão a sério a ponto de se esconder em um beco escuro. Bom, eu estava sério o bastante para procurar.

Algumas pessoas haviam acabado de sair do beco. No final, tinha uma caixa, havia uma certeza dentro de mim. João estaria ali, sem dúvidas.

Eu então dei alguns passos, o céu já estava escurecendo, não haveria mais tempo para procurar. Precisaria me arrumar para a festa, então dei mais alguns passos lentos em direção a caixa. Ouvi o som da sirene da polícia, decidi me apressar. Era uma caixa de madeira, espaçosa o bastante para que houvesse espaço para uma criança dentro dela.

Olhei por cima da caixa e instantaneamente fiquei em choque: havia algo que parecia folhas, mas não conhecia aquela planta. Ouço de longe alguém gritando:

— Ei garoto, isso não é brinquedo! Falou alguém enquanto se aproximava. Era um homem adulto, de vestimentas simples. Um boné, uma blusa regata, uma bermuda simples e chinelos havaianas. Ele tinha uma tatuagem de palhaço na canela, senti imediatamente que precisaria fugir dali.

Dei uma resposta rápida e nervosa enquanto gaguejava:

— Ah... Eu só estava procurando meu amigo, não quis mexer nisso.

— Como seu amigo se chama? Perguntou ele enquanto fechava a caixa.

— É João...

— Esse é o nome do meu filho, ele tem quase a sua idade.

Lembro que inventei uma desculpa para sair e ele me alertou para ter cuidado, pois o bairro estava extremamente perigoso.

Decidi voltar e me juntar aos garotos que estavam me esperando.

Enquanto corria para junto aos meus amigos, uma viatura da polícia passou ao meu lado, senti um alívio momentâneo.

Mas esse efêmero alívio tornou-se rapidamente em angústia, a polícia parou ao meu lado.

Havia algo que não tinha analisado: estava em um bairro perigoso; era negro e não tinha dinheiro. Um policial militar me mandou parar.

— Correndo de quê, neguinho? Perguntou ele.

Eu não soube o que responder, estava bastante nervoso.

O policial estava acompanhado de outro, o outro ficou apreensivo com a necessidade de abordar uma criança e tentou conversar com ele.

— Criança? Criança nada, deve bem saber de algo.

O policial, que passou a me revistar enquanto estava encostado na parede me fez uma série de perguntas, não fazia ideia do por que fui tratado como um ladrão.

Ele perguntou:

— Cadê a erva?

— Erva? Quer fazer chá? Respondi.

É uma resposta idiota, sem dúvida alguma. Porém, não fazia ideia de que tipo de erva ele estava falando e era uma criança de 11 anos de idade.

Ele ficou enfurecido com a minha resposta e enquanto gritava comigo, levantou o braço para me dar um tapa.

Meu primeiro tapa da polícia. Não era ladrão; nem assassino; nunca fiz nada de criminoso. Por que apanhei? Me questionei naquele momento. A agressão física não foi tão dolorosa quanto a humilhação de ser injustiçado.

Fiquei de cabeça baixa, sabia que não poderia revidar. Eu estava frustrado, mas não poderia fazer nada. Naquele momento, o homem que encontrei enquanto mexia na caixa apareceu junto a mais algumas pessoas vestidas semelhante a ele.

— Aqui não é lugar pra vocês. Falou o homem pro policial. Eles estavam em maior número, doze contra dois. E só havia ali uma viatura com dois homens, decidiram sair.

Eu estava assustado, muita coisa havia acontecido.

O homem perguntou onde eu morava, eu disse que era perto. Por coincidência descobri algo muito interessante, ele era o pai do João Salvatori. Ele também estava procurando pelo filho dele.

Fui em direção aos meus amigos e todos estavam preocupados onde eu tinha ido parar, enquanto me aproximava, vi eles junto a minha mãe que também estava muito preocupada. Contei tudo para ela e para os garotos que estavam ali. Ainda havia a festa de aniversário, que haveriam ainda mais acontecimentos.

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