Capítulo II - Duelo mental

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Após ganhar meu primeiro videogame, meu interesse por esse universo foi enorme. Meus colegas de sala de aula costumavam vir na minha casa jogar também. Fui convidado a ir para uma "lan house" [1] por um colega, me falaram que lá haveriam muitas pessoas que também gostavam de jogar.

Saber que encontraria mais gente que vê os jogos como uma espécie de refúgio mental é realmente encantador, peguei dinheiro com a minha mãe e fui sem pensar duas vezes.

Chegando próximo ao local, os gritos de euforia eram audíveis a alguns metros da entrada. Ao entrar, o cheiro de perfume barato estava bem forte. Haviam alguns rapazes gritando observando o jogo de outros dois garotos jogando futebol no Playstation.

O modo no qual tudo parecia ser tão simples, parecia que todos ali eram muito conhecidos e bastante amigáveis. Observei tudo que estava ali, os diferentes tipos de console, os computadores que pareciam ligeiramente antigos e de cor amarelada. Haviam algumas pessoas jogando algum tipo de jogo de tiro. Aquilo parecia muito empolgante, além da adrenalina de você passar horas jogando, era muito mais divertido compartilhar deste sentimento com outras pessoas.

Decidi ir jogar em um console, então fui falar com o dono da lan house, mas ele não estava lá. De imediato, alguém falou:

— O Júnior foi no mercadinho ali perto e já volta, chega aí. Afirmou um garoto que estava jogando futebol no console.

Ele me convidou para jogar com ele e eu decidi aceitar. Mas havia um problema, eu sempre jogava jogos de aventura e rpg. Não sabia absolutamente nada sobre times de futebol e nunca me interessei muito por esportes.

Eu tentei pegar um time famoso, achei que o time deveria ser bom, já que era bastante conhecido. Escolhi o Flamengo. Já ele, o Palmeiras. Eu decidi me concentrar, daria total atenção a aquela partida, ao mesmo tempo que estava atento em tudo ao meu redor.

Ele fez algumas configurações no time dele, eu não sabia em que posição iria colocar meus jogadores, então deixei a padrão. A narração do jogo parecia extremamente real, os dubladores eram brasileiros! Eu estava tentando entender como jogava aquilo, tive um pouco de dificuldade para compreender o que eu deveria fazer ali. O garoto que me convidou me explicou a mecânica básica dos botões e que eu iria precisar para fazer o gol.

Havia motivação dentro de mim. Eu estava absolutamente focado, eu precisava mostrar que eu era bom nos jogos. Me concentrei e usei tudo de mim naquela primeira partida.

Em meio a empolgação da partida, algo tirou minha concentração, alguém havia derrubado o controle no chão. Todos ficaram em silêncio, parecia que alguém havia cometido um crime.

— Ei, é menos 15 minutos! Afirmou Júnior, o dono da lan house.

Para azar do garoto que derrubou, o dono do estabelecimento chegou no exato instante que ele derrubou o controle no chão. Pelo que eu entendi, quando alguém derruba o controle no chão, é retirado 15 minutos do tempo que ele havia pagado.

Decidi concentrar no meu jogo novamente e após alguns minutos e após um certo esforço tive sucesso ao fazer um gol.

— Boa. Afirmou o garoto enquanto esboçava um sorriso genuíno no seu rosto.

Eu estava confiante — até demais, e perguntei:

— Você é ruim, né?

Ele imediatamente tirou o sorriso do rosto e ficou de feição extremamente séria, e girou lentamente o pescoço em minha direção. Ele levantou a sobrancelha e me encarou por alguns segundos. Naquele instante, um terrível pressentimento tomava conta de mim. Enquanto ele ajustava a postura na cadeira, eu tentava uma jogada agressiva novamente. O garoto que estava com um olhar fervoroso e de cabeça fria, conseguiu contra-atacar. Levei um gol.

Levei outro gol, depois mais um. Parecia que o doce sabor da vitória nunca esteve tão distante de mim. As pessoas se juntaram ao nosso redor, começaram a ver a surra que eu estava levando ali. Para aumentar a humilhação, ele conseguiu fazer um gol com o goleiro! Nunca tive uma derrota tão horrível quanto essa, mas não diria que essa derrota foi de todo algo ruim, ela me inspirou a melhorar.

— Qual é o seu nome? Perguntei ao garoto após a partida.

— É João. Você começou bem, mas você foi arrogante, então decidi não pegar leve.

Conversamos um pouco, ele parecia ser alguém bem legal. Também morava bem perto da minha casa. Eu me senti inspirado a ser melhor e a estudar o inimigo antes de começar uma guerra.

João era um garoto que era um ano mais velho que eu, ele costumava sempre andar bem vestido. Ele também era conhecido como "loirinho", pois era branco e de cabelo loiro. Parecia ser bastante inteligente também.

Fui tolo, iniciei uma batalha que nunca poderia ganhar. Mas não desperdicei meu tempo, decidi ir por muitas semanas naquela lan house e aprender mais sobre futebol.

Em mais uma manhã de sábado eu estava destinando a aprender de tudo para conseguir uma vitória sobre meu poderoso oponente! Levantei da minha cama e fui em direção ao quarto dela para pedir dinheiro. Ao me aproximar, ouvi ela em uma ligação telefônica. Ela chorava muito e dizia:

— Como eu vou dizer isso ao David? Você não tem um pingo de caráter!

Parecia que ela estava discutindo com alguém. Estive tão preso numa batalha mental que nem ao menos considerei a situação da minha família. Me senti culpado naquele momento, minha mãe estava cuidando de tudo praticamente sozinha. Pude ouvir um pouco mais da conversa, então ela afirmou lentamente e com voz rouca:

— Você foi fundo, quis me perder. Você pôs tudo a perder, não podia me fazer o que fez! E por mais que você tente negar, me dê motivo! [2]

Ela desligou a ligação. Enquanto observa por uma fresta na porta, pude ver que ela encostou sua cabeça na parede. Deu um suspiro muito profundo enquanto começava a chorar. Lentamente desceu até o chão com a cabeça encostada na parede e ficou em posição fetal.

Creio que nunca estive em uma atmosfera tão pesada quanto aquela, mas senti que deveria ajudar ela. Bati na porta do quarto e mesmo sem uma resposta dela, corri para dar um abraço mais profundo que eu poderia nela. Mesmo que eu não soubesse muito do que estava acontecendo, falei para ela:

— Mãe, eu te amo, muito, muito, muito!

Minha mãe, mesmo em meio a toda dor, não hesitou em me abraçar de volta. Eu a conheci sempre muito alegre, vê-la assim era extremamente doloroso e principalmente porque eu não poderia fazer nada. Naquele momento, eu decidi que iria fazer de tudo para ver seu sorriso novamente. A vida novamente quis me ensinar a viver com a ausência, pois, depois daquele dia, ela jamais seria a mesma de antes. Os dias de ouro não iriam voltar e eu iria precisar aprender a lidar com tudo novamente.

Meu pai não foi muito presente em minha vida. Minha mãe estava prestes a passar por uma de suas piores fases e eu era apenas uma criança que não poderia fazer muito. A incerteza tomava conta de mim, será se não havia nada que eu pudesse fazer? De qualquer maneira, deveria tentar me esforçar mais para não ser um fardo. Estava decidido a ser melhor! Um enorme horizonte de possibilidades estava ali comigo e eu iria trazer o sorriso da minha mãe novamente!

1 Estabelecimento onde era possível (pagando uma taxa equivalente ao tempo usado) ter acesso a computadores e videogames.

2 Maia, Tim. (1983). Me Dê Motivo

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