7 ~ Risos e Sussurros ;

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O senhor Holtter foi contratado pela família Falliebansen - uma família afortunada e de origem nobre - para cuidar de seu casarão em uma cidade afundada pela história da Dinamarca. Holtter mostrava em cada linha em seu rosto que a idade chega para todos, seus cabelos eram grisalhos e ralos, seus olhos caídos e cansados, sua pele era muito pálida, porém grossa; apesar de tudo aparentava um aspecto forte e justo, que transmitia confiança.

O motivo exato pelo qual a família sairia daquele augusto castelo, ninguém sabia. Provavelmente iriam se mudar para alguma grande cidade, se aproximar dos centros políticos de forma discreta e reconquistar o respeito que o nome Falliebansen perdeu. Ou talvez apenas quisessem mudar o ambiente de suas histórias, após a morte da pequena Laine.

Holtter teve que permanecer em sua casa por anos, lembrando-se das mortes de sua esposa e filhas a cada vela que apagava ao anoitecer, sem ter a quem desejar boa noite, noite após noite.

A construção em questão se tratava de gigantescas paredes de pedra fria e alaranjada, três torres, janelas altas, corredores longos com belíssimos quadros, inúmeros cômodos - um mais espaçoso e decorado que o outro - e muitos, mas muitos, castiçais. Holtter notou, enquanto o chefe da família Falliebansen lhe mostrava o castelo, que as velas nos castiçais dos corredores alternavam entre brancas e pretas, sendo que as negras nunca pareciam ter sido acesas. Havia também um grandioso labirinto na propriedade, que ficava ao leste do castelo, criado a partir dos arbustos do verde mais vivo na mesma época da fundação daquelas torres – Holtter recebeu instruções para não entrar no labirinto, pois segundo o proprietário, não haveria necessidade de cuida-lo.

A verdade é que ele mesmo não passaria muito tempo dentro da casa em si; dormiria em uma cabana ao oeste, localizada atrás do castelo, após um pomar há muito sem dar fruto algum. Sua função seria somente cuidar caso alguém decida se atrever a invadir as posses da família Falliebansen, assim como impedir que os terrenos se cobrissem de matagal, por seis meses. Era uma grande responsabilidade, pois haviam muitas riquezas nem tão escondidas dentro daquelas paredes. E para evitar que se crie um carpete de poeira pelos pisos do casarão, haveria uma equipe que faria a limpeza a cada mês - Holtter se livrou de varrer aquelas centenas de metros quadrados.

A cabana era simples: um banheiro, quarto e cozinha. Sem demais luxos, apenas o necessário. O velho seguiria a mesma rotina todos os dias - acordar cedo, tomar sua xícara de café, sair para fazer o que houver de ser feito e voltar com a chegada da lua. Raramente pisaria no castelo, apenas para fazer checagens; ou deveria ser.

Naquela região da Dinamarca; ou em qualquer outro lugar em que há construções antigas, crianças e mortes; havia uma lenda. Na verdade, era mais como um boato. Seria Laine a quinta criança a morrer antes dos cinco anos, sem mais explicações, em cinco gerações que viveram naquela morada. Contavam sobre a maldição da família, sobre como eles sacrificavam as crianças em pactos a antigos deuses, ou que vendiam as almas inocentes ao próprio Lúcifer em troca de poder e riqueza, até histórias envolvendo alguma bruxa que teria casado com alguém na primeira linhagem, fazendo os Falliebansen amaldiçoados por demônios que roubavam crianças.

Todas bobagens, criações de velhas que sentam nas varandas de suas casas para difamar terceiros, de mães que querem fazer com que seus filhos obedeçam, ou de homens gananciosos que invejam tanto dinheiro - assim Holtter pensava. Não recusaria uma oportunidade dessas por conta de crendices, jamais.

Até o segundo mês, em que começou a reparar em situações um tanto curiosas.

As poucas flores que desabrochavam no frio do inverno apareceram todas na soleira da cabana. Sem pegadas, nada. Depois disso, nem na mais bela primavera, as flores brotaram novamente naquelas terras. Durante a noite, podiam-se ouvir passos apressados circulando a casa, risos abafados. Pedras batiam em sua porta, árvores marcadas com letras estranhas, baratas nadando no café quente, animais que gritavam ao longe, cães sem donos mortos dentro dos portões.

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