O não-escrever

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Quando começa a chover e principalmente, trovejar, eu sei que uma veia da minha testa salta de nervoso. É medo. Esse é um hábito que só passei a cultivar depois do isolamento. Ficar trancado em casa faz com que cada barulho seja um sinal de desgraça. Mas isso é medo bobo.

Meu medo mesmo é nunca mais tocar em papel e caneta. Meu medo é que me roubem a mão metafórica da palavra e não me deixem mais escrever. Ser lida? Isso já é pensar demais, já é ir além. Eu faria bibliotecas durante meu tempo, mesmo que não fosse lida em cem anos, mesmo que não fosse lida nunca. O não-escrever me causa pânico. A não-literatura me agoniza. O não-pensar me causa nojo, e cheia de náuseas caio, adoecida.

É o tempo. Ele que me tira os sonhos, ele que me atormenta e me põe bem de frente a um lápis, só para prender-me em uma cadeira. E cada dia eu tenho menos uma história. E cada dia me faltam palavras, já que o espanto cobriu toda a minha boca, como uma mordaça. Todo o dia acordando pensando no que é normal. E o normal é viver no inferno. E o normal é não ter mais escapismo. É se distrair para não perceber que perdeu e perder todos os outros dias. É nunca ter história boa. É nunca ter história. É nunca ter palavra. É nunca ter.

Vinte e trêsOnde histórias criam vida. Descubra agora