Capítulo 3 - Furta-cor

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Chenle assinava um pequeno recibo com certa rapidez. No papel, se lia uma data de sete dias para a devolução do toca-fitas que estava alugando. Sim, ele havia decidido alugar um toca-fitas, pois conseguir tempo livre no trabalho para continuar assistindo o filme sem título vinha se tornando uma tarefa cada vez mais difícil. E mesmo com Yeojin dizendo que não havia problemas em pegar o toca-fitas da casa dela emprestado, Chenle preferia não incomodar e arranjar um jeito de resolver a situação por conta própria.

Ali estava, então.

Diante do aparelho alugado, de uma filmadora que não era dele, de uma televisão com qualidade de imagem muito duvidosa, e de mais uma dezena de outros eletrônicos que apresentavam algum tipo de individualidade.

Deu um suspiro, enquanto ligava o toca-fitas. Nem ele sabia dizer porque aquele quarto era tão bagunçado. Ou porque ainda mantinha aquela coleção estranha.

Ou porque ele aceitava trabalhar depois do expediente, mesmo quando seu chefe não lhe pagava hora extra. Ou porque ainda queria comprar um carro no fim do ano, mesmo sabendo que não era corajoso o bastante para realizar o sonho de fugir pra bem longe.

A verdade era que Chenle era muito bom em fazer coisas sem motivo. Às vezes, até mesmo desejava que tivesse crescido numa família religiosa, só pra conhecer a sensação de acreditar em algo. O tal do propósito grandioso da vida só parecia um evento radical demais para a história pacata que ele possuía.

Ele tinha uma namorada, amigos, uma boa família, dinheiro no bolso e saídas épicas nos finais de semana. Zhong Chenle era amado pelo mundo, amado por pessoas, e não tinha medo de amar de volta. Se sentia vivo ao lado de sua outra metade, que possuía cabelos longos e castanhos, e se sentia infinito quando andava de braços abertos na traseira do carro de alguém. Contemplava paisagens, boas músicas e os livros políticos recomendados por Yeojin.

Yeojin.

A pouca altura dela não impedia qualquer um de dizer que ela era grandiosa. Dona de uma atitude invejável e de uma inteligência de se admirar, não era de se surpreender que o amor que sentia por ela tivesse sido moldado ao longo do tempo, desde que Chenle era apenas uma criança encantada pelo jeito em que Yeojin lia as cartilhas da escola na frente de toda a sala.

Mesmo depois de todos aqueles anos, ainda era assim que Chenle se sentia perto dela. Um menino. E nada mais do que isso.

Um mero garotinho, pequeno demais para a grandeza de Yeojin, e ainda menor diante de sua majestosa aura que só crescia dia após dia.

Yeojin iria para uma boa faculdade. Criaria projetos revolucionários. Sempre carregando o sorrisinho gostoso que desviava o olhar da força de leão que morava dentro dela. Talvez até se tornasse presidente do país. E Chenle... bem. Ele tinha um quarto sujo com um monte de porcarias.

Mas esses eram só pensamentos. Que não lhe ocorriam o tempo todo, aliás.

Perto de Yeojin, essas inseguranças não existiam. Ele sentia apenas a paz apimentada que ela trazia.

Perto de sua família, não havia espaço para pensar demais. Ele era o piadista que conseguia expulsar o baixo astral da casa num passe de mágica.

Perto dos amigos, ninguém sequer presumiria que esse tipo de coisa passava pela cabeça dele. Chenle era a peça essencial para fazer um momento valer. Tinha uma reputação que não era tão boa, porque reputações boas demais são entendiantes, mas que também não era tão ruim — porquê reputações muito ruins são, de fato, muito ruins.

Ele podia ser enquadrado como alguém feliz, afinal. Não lhe faltava mais nada.

E essa ausência que sentia sobre a própria história de vez em quando, só podia ser uma besteira, consequência do cansaço do dia-a-dia.

O mundo é pequeno em 89.Onde histórias criam vida. Descubra agora