A carta

Bônus

Como resumir a minha vida?

Talvez eu comece dizendo que foi longa e abençoada, ainda mais longa do que eu esperava.

Talvez esperar o meu grande dia, fez Deus prolongar meus dias. Não vou dizer que odiei, claro que não... Afinal, aproveitei muito meus três filhos, meus netos e acredite, meus bisnetos.

Olhar para trás me faz sentir um frio na barriga, vejo que minha vida foi boa, mas não foi perfeita. Não como seria se ela estivesse do meu lado, talvez seja egoísta pensar só no meu amor e desejo de estar com a Marília, mas o que posso fazer?

Amei muito minha esposa, mas nem ela foi capaz de mudar o meu coração, os meus sentimentos... Tudo me levava ao cheiro do perfume dela, ao riso gostoso que ela tinha, a voz que até o dia de hoje me fascina e me arrepia. As lembranças de noites em claro a olhando dormir, tenho certeza que para ser uma vida perfeita, só bastava ter ela.

Fechar os olhos enquanto sinto a brisa da tarde soprar sobre meu rosto é a coisa mais divina que posso sentir agora, com a idade chegando tudo vai ficando intenso. As vontades vão mudando, a dor diminui e da espaço a saudade do velhos e tão bons tempos.

Meu único medo com o passar dos anos foi só um: esquecer o grande amor da minha vida.

Eu sei, era de fato um medo bobo. Aliás, nem que passem mil anos, é possível esquecer a pessoa amada. E eu amei a Marília, amei com todas as minhas forças, com todo o meu ser, com todo o meu coração.

Fui incapaz de impedir o acidente que a tirou de mim, mais não vejo a hora de olhar em seus belos olhos e dizer: Amor, eu ouvi o seu recado, claro que não foi a tempo de te impedir de subir naquele avião, mas eu ia atrás de você.

E eu realmente ia.

Estava me arrumando para viajar em busca do meu amor, nem ligava se naquela noite teria show. Se ela queria ficar comigo, não ligaria a mínima para o que o mundo pensava. E foi quando tudo aconteceu.

Lembro perfeitamente de estar no quarto das crianças me despedindo delas, lembro bem do meu irmão entrando lá e me encarando.

Dói lembrar.

— Pra onde cê vai? – a voz trêmula fez meu corpo congelar, lembro que olhei para ele e senti medo de perguntar o que aconteceu para ele estar com os olhos tão vermelhos e inchados.

Sendo egoísta, resolvi ignorar.

— Eu vou encontrar a Marília em Caratinga, ela me ligou hoje e deixou uma mensagem pra mim – lembro de sorrir feito bobo. — Ela disse que me ama, eu sei, eu sei sou um homem casado e ir atrás dela a essa altura do campeonato é uma péssima ideia, mas eu a amo Ju... A amo como nunca vou poder amar outra vez, como num a vou poder amar a Amanda, então se quiser me repreender está é a hora!

— Puta que pariu – ele fechou os olhos. — Como que eu vou dizer isso a você?

— Dizer o que?

— Henrique, eu... Olha não é fácil o que vou te contar, você precisa ser forte.

— Edson você está me assustando.

— O avião... – ele enxugou uma lágrima e puxou o ar. — Droga Ricelly, por que cê tinha que dizer que vai encontrar a Marília? – meu irmão andou até onde eu estava parado e me puxou para um abraço. — Eu sinto muito, irmão.

— Para Ju, sai... – mas o sinto muito irmão entrou de uma forma que fez minha boca amargar, olhei para a porta do quarto e vi Amanda com os olhos vermelhos. — Para Ju, ela... Isso não tem graça.