Sobre os irresponsáveis e os engomadinhos

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Coréia. 1989.

Eric Sohn, um americano de gestos ansiosos, era o novo habitante da cidade tradicionalmente coreana.

Uma nova sensação havia lhe perseguido já do momento em chegou no aeroporto até a hora em que saiu do táxi e vislumbrou a fachada do sobrado apertado, onde viveria durante os próximos anos - era a sensação de ser observado pelos habitantes daquela cidade supostamente moderna, observado por causa das suas unhas pintadas de preto, das suas roupas largas, escuras e seu cabelo com mechas vermelhas.

Em seu bairro natal de L.A, as pessoas comentariam sobre ele de forma leve, ainda que com estranheza. Falariam que ele parecia uma cópia barata do Bowie, Eric iria rir amigavelmente, pois eram coisas como aquelas que o faziam sentir em casa, apesar de tudo.

Contudo, o que muito ganhava daqueles novos olhares anônimos era o silêncio e o que por vezes parecia ser um desprezo mal disfarçado. Pelo menos Eric não moraria na área nobre, onde havia ganhado uma bolsa de estudo para cursar letras, e sim naquela construção meio improvisada perto de um centro comercial. Sunwoo o havia deixado ficar se dividisse as despesas, e também se aceitasse entrar na banda dele como guitarrista. E, naquele bairro, as pessoas pareciam bem mais simpáticas consigo.

É claro que Eric aceitou. Apesar da nostalgia que ele tinha ao lembrar da cidade natal. Estava ansioso para começar uma nova fase de sua vida. Ele carregou a mala grande e a capa com sua guitarra para dentro do sobrado e logo Sunwoo o encontrou na porta, pois já o esperava.

Kim Sunwoo era um garoto não tão mais velho que Eric, tinha cabelos castanhos escuros e ondulados e um piercing no lábio, usava uma camisa do AC/DC. Essa foi a primeira vez que eles se encontram presencialmente, pois o Kim havia passado muito tempo sendo um amigo de correspondências. Eric o notou como alguém excêntrico, tanto em seu visual meio largado, como pela casa que habitava: era lotada de pilhas de disco de vinil, fitas de walkman e posters enviados por outros correspondentes.

A sala principal era forrada de tapetes e funcionava como local de ensaio para a banda de Sunwoo, a Deoun Strings, da qual ele era o vocalista. Havia um sofá pequeno ao lado da bateria já montada e alguns amplificadores. Apesar da poeira ali, a visão deu a Eric mais uma dose extra de animação, seus dedos se moveram sobre a case da guitarra em seu ombro.

O garoto mais velho, que o tinha acolhido com um bom humor vibrante, levou Eric até seu quarto para que pudesse desfazer a mala e descansar.

- Vamos ao bar hoje a noite, você quer vir? - Eric sabia que ele se referia à banda, mesmo assim hesitou na resposta ao tentar imaginá-los. Nunca tinha visto uma foto deles, apenas ouvia as gravações em fitas que o Kim o enviava e o Sohn absolutamente amava cada uma delas, se sentia um fã indo encontrar seus ídolos famosos, mesmo sabendo que tocaria com eles. E mesmo sabendo que a Deoun Strings era só uma recém-nascida banda de garagem.

- Eu vou! Só não posso virar a noite, amanhã já preciso ir ao colégio.

- Qual o curso mesmo? - Sunwoo perguntou, inclinando desajeitado ao lado da porta. Tendo largado a escola ainda cedo, ele por vezes esquecia que alguns jovens faziam faculdade.

- Letras. - Eric respondeu, recebendo um franzir de cenho do outro garoto.

- Nem sei pra que porra serve isso.

- Nem eu, cara. Amanhã eu descubro - Eric gargalhou, observando contagiar o riso do seu hospedeiro que lhe deu um "ok" com os dedos e saiu de vista, fechando a porta atrás de si e deixando o Eric de frente para um enorme poster dos Ramones.

- Te vejo mais tarde!

O bar se chamava The Magician e ficava entre galpões comerciais, num bairro vazio e bizarro, ao lado do centro da cidade. O lugar funcionava como uma pequena casa de shows que abrigava, das quintas aos domingos, as pequenas bandas de garagem da cidade que precisavam tocar em troca de algum dinheiro ou que estavam na árdua estrada ao reconhecimento. Era um dos poucos lugares em que se podia ouvir punk rock ou metal sem que algum mauricinho lhe chamasse de bicha ou sem que gastasse o olho da cara com cerveja.

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