Azul escuro

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Aquele domingo não estava sendo um dia fácil para Juyeon. Ele, antes de sair de casa, precisou inventar uma história absurda para faltar o jantar em família: o fatídico evento que acontecia ao menos uma vez por mês na casa da familia Lee e reunia os tios insuportáveis que a cada dez frases por eles proferidas, nove eram ofensivas.

Talvez a única vantagem em ter momentos como aquele em casa era a certeza de que Jihye ia tirar um tempão para brincar com crianças da mesma idade, coisa que ela raramente fazia. Ela, assim como Juyeon, estava sendo criada para ser um prodígio e estava sempre estudando.

"Prometi que iria jantar com alguém hoje" o Lee falou com uma expressão neutra, usando o moletom que escondia o figurino da banda. Ele já atravessava o arco da porta da sala com sua bolsa lateral onde estava suas palhetas e seu gel de cabelo. "Já almocei com vocês, me deixe ir".

Seu pai exibiu um olhar de quem considerava tanto reprovar ou aprovar aquele comportamento, dependendo da circunstância.

"É uma garota...?" perguntou o Sr. Lee, com aquela expressão que Juyeon achava nojenta, pois sabia que ele pensava no comum ditado 'garotos serão garotos'. Juyeon sorriu, falso, e confirmou a mentira. "Apresenta logo ela para a gente. Sua mãe não acharia decente você ficar numa relação, se for para ser uma relação fútil".

Ambos imaginaram o olhar curioso da mulher de cabelos pretos e volumosos se voltando para a cena, mas ela lia uma revista, entretida e de pernas cruzadas, enquanto a empregada preparava o jantar.

"Eu vou apresentar... Eu prometo" Juyeon controlava a raiva ao apertar uma mão contra a outra, enquanto seu pai dava tapinhas em seu ombro. Sabia que mesmo namorando uma garota, seus pais iam continuar com um tipo diferente de inferno. Eles nunca estariam satisfeitos.

Por enquanto, Juyeon estava tranquilo com a possibilidade de refazer a mentira, como se aquele encontro fajuto não tivesse funcionado. Estava acostumado como uma mentira ia substituindo a outra.

O jovem guitarrista logo pegou um táxi para a casa de Sangyeon, onde tinha deixado sua nova guitarra.

Ali, contra o banco de couro do automóvel, ele havia fechado os olhos por um instante, pensando nos gastos que estava tendo, com transporte, drogas, agora uma guitarra de segunda mão. Ainda precisava guardar mais dinheiro para sumir no mapa quando quisesse, precisava de tempo e ele não tinha.

Juyeon não tinha dormido nada nos últimos dois dias, tinha praticado até os dedos fazerem bolhas e agora seu interior era tão firme quanto o de um saco plástico. Estava irritado por ter perdido a droga recém comprada e não podia tentar descontar a falta dela em qualquer outra coisa, embora fosse essa a vontade dele, que o consumia devagar. Um pouco antes da competição, ele cedeu um pouco ao whisky que gostava, mas mal teve efeito.

O Lee havia passado o final de semana com a culpa e o medo lutando para preencher aquele seu vazio e, enquanto isso, nada conseguia lhe distrair. Nada além da prática, ou dos momentos em que ensaiava o que diria para Eric quando os dois se encontrassem novamente.

Ele só nunca teria imaginado ouvi-lo cantar as letras da nova canção da Deoun Strings, ainda que uma pequena parte dela. Nunca teria imaginado que iria se deparar com a possibilidade dele ter escrito tudo aquilo pensando em si. Agora seu coração pesava um pouco mais.

Enquanto levava o americano para um lugar relativamente mais privado entre as paredes temporárias que formavam os corredores do backstage, Juyeon tentava se agarrar aos últimos pensamentos que lhe faziam bem. Ele soltou do mais novo assim que pôde e deu um passo para trás, deixando que ele se encostasse ali. O encarando com olhos irados. Mesmo assim, Eric continuava o garoto mais lindo em que ele já tinha pousado os olhos.

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