CAPÍTULO 2

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Deitei em seu tórax e permanecemos ali por alguns minutos, até toda aquela euforia passar. O seu olho tinha múltiplas cores. Em mim, não havia nada além de desejo. Ou talvez houvesse um mundo de sentimentos. Mas não poderia existir nada além do desejo da carne. Tinha algumas horas que nos conhecemos. Em um Bar de sp em uma quarta-feira. O papo era bom. A transa era boa. Um escorpião e uma taurina. O encaixe deu certo bem antes da pele se tocar. Mas era só isso...Tinha que ser só isso.

- Você tem algo único.

- Não precisa de declarações, falar coisas apaixonantes como se o amanhã não fosse chegar. - Reviro os olhos, já conhecendo todo aquele discurso de alguém que sente que possui alguma responsabilidade afetiva após uma transa.

- Você está me magoando com essas palavras. - Em tom de brincadeira, finge limpar uma lágrima.

- Mas eu falo sério. As pessoas, por mais livres que sejam, não se permitem SER. Você não. Você é e sente. Só estou falando o que reparei. - Fixo meu olhar naqueles olhos de múltiplas cores.

- Falei merda?

- Estou analisando as opções... Estou em dúvida se essa é a hora que você me pede em casamento ou diz que tem um compromisso de última hora e saí por aquela porta. - Começo a rir.

- Está se afastando de mim dessa forma porquê? Você sabe que meu trabalho não envolve sentimentos. Não precisa disso. - Declara ao caminhar em direção a janela, abri-la e acender um cigarro

- Estamos tendo nossa primeira DR? - Oliver me olha confuso. -Discussão de relacionamento. Nunca teve 14 anos não?

Ele fica quieto e me encarando. Parece estar de saco cheio daquele jogo de palavras vazias. Faço isso com todos com quem me deito a cama. Pretendendo que a pessoa goste apenas do físico e da sensação que a proporcionei. Faço isso com todos que me deito a cama. Com ele, apesar da gigantesca ironia, parece não ter dado certo.

- Não se engane. Eu gosto disso, de viver o fim do mundo e acordar noutro dia para ver o sol nascer. Gosto de estar presente. Do êxtase e não da calmaria. Do vinho tinto, das horas vagas, dos pecadores e de corpos. Almas não. Então, não se engane. Tenho o costume de desprender todos de mim. - Anuncio, observando-o com seu maço de cigarro quase vazio.

- E ser desapegada de todos?

- Exatamente.

- Não é uma vida vazia? - Diz em meio a fumaças.

- Sem dúvidas. Mas o lado bom é viver sem amarras.

Deu de ombros e virou-se para a vista da janela, tragando o último da caixinha. Aquela conversa fez meu coração desacelerar e eu fiquei ali, jogada na cama, imersa em meus pensamentos." O que eu estou fazendo?" Ressoava a voz em minha cabeça. Somos dois adultos. Tivemos horas de conversas e risadas agradável, mas...e agora? Após alguns minutos vejo ele vindo em minha direção.

- Hipocrisia ou dissimulação? - Falo apontando pro que está escrito na caixa de cigarro.

- Cada um com seus vícios. Acabei de arranjar mais um.. - Diz com um olhar que me desequilibrou, ficando por cima de mim.

A noite foi longa. Ao abrir os olhos na manhã seguinte, ele já não estava mais lá. Esse foi o primeiro homem, que há tempos me levantou com os olhos, que me fez querer acordar ao lado dele. Querer não fugir. Não acordei mais cedo para ir embora nas pontas dos pés. Mas ele sim. Ele o fez. Recebeu meu pagamento e deixou um café da manhã pago. Quem trouxe foi a funcionária do hotel e não ele, como havia prometido após o álcool ter subido na noite passada. Tomei o café. Forte. Quente. Amargo. Fez jus a toda aquela experiência.

NOITE PASSADAOnde histórias criam vida. Descubra agora