It's just a silly phase I'm going through
And just because I call you up
Don't get me wrong
(...)
I'd like to see you
But then again
It doesn't mean you mean that much to me
So if I call you
Don't make a fuss
--X--
O ruído da reunião acontecendo sobre o diagnóstico de um paciente entrava e saia da cabeça de Guilherme. Só parte dele prestava atenção. Até coisas como a textura da cadeira em que ele sentava todo dia, que ele conseguia sentir através da calça. Ou a madeira da mesa que Guilherme agora apoiava os cotovelos, os dedos entrelaçados na frente do rosto. Tudo parecia competir pra roubar o foco dele.
- Se a Arritmia persistir, a gente vai ter que encaminhar esse paciente para o uso de um Holter. Não concorda Guilherme?
A voz de Joana o alcançou através do enevoado que estavam os pensamentos dele. Quando olhou à sua volta, Guilherme notou que Joana e os outros profissionais olhavam pra ele em expectativa. Aguardando alguma resposta.
- É, sim, sim. Claro.
Um silêncio perdurou por alguns segundos.
- Acho que a gente pode encerrar a reunião por aqui.- Joana aproveitou pra falar então, já se levantando. Notou a ausência do colega. Devia ser por conta dos problemas no casamento. Depois do acidente a poucos dias atrás, sabia que o homem estava se esforçando para melhorar seu relacionamento com Rose.
- Já decidimos como prosseguir a partir de agora. Qualquer mudança no quadro, vamos ter que voltar a discutir isso aqui. - Joana finalizou, se encaminhando para a porta, seguida pelos colegas no escritório.
Aguardou na saída, esperando os outros saírem. Preocupada, deu uma última olhada em Guilherme, antes de se retirar.
Agora sozinho, Guilherme colocou a mão na nuca, massageando levemente com os dedos. Conseguia sentir uma dor de cabeça vindo.
Ele tentou vasculhar as memórias dos últimos dias, procurando o que o tinha deixado tão reflexivo. Além do óbvio, é claro. O simples fato dele ter morrido, mas não realmente, ter encontrado a morte, descoberto que poderia morrer um ano, e depois estar de volta como se nada tivesse acontecido.
Até que seu cérebro fez o favor de trazer a lembrança de uma frase dita por ele próprio, a menos de uma semana atrás.
"Vai ver a gente tem uma ligação mesmo."
Guilherme sacudiu a cabeça, tentando afastar o pensamento. Mas sem sucesso. A memória persistia, vivida. Tão vívida quanto a mulher pra quem ele tinha proferido aquelas palavras. Tão vívida quanto a presença dos lábios dela. Marcantes mesmo em sua fugacidade.
Guilherme Monteiro Bragança era um homem fiel. Ponto final. Nunca havia tido qualquer inclinação de olhar pra outra mulher em 18 anos. Elas passavam despercebidas para ele. Sem rosto e nem qualquer característica específica. Como é que entre tantas outras, uma garota com nome falso e cercada de confusões, foi quem seu íntimo fez questão de registrar.
Tinha flertado com Flávia. Isso estava óbvio. O sorriso mais significativo que ele se pegara usando. O tom de voz mais grave. Mas tentava ignorar a todo custo a razão disso.
Se alguém perguntasse pra ele, por quê estava tão interessado em ajudar ela, Guilherme já tinha respostas prontas.
"Eu sou médico, eu gosto de ajudar as pessoas."
Ou
" Estou tentando me tornar uma pessoa melhor."
E também.
"Flávia precisa de mim, só eu posso ajudá-la."
Quando Joana tinha questionado seu envolvimento no caso dela, achando que ele queria brincar de Deus.
Num raro momento de clareza consigo mesmo. A verdade saiu. Como uma muda desesperadamente procurando o calor do sol, crescendo em sua direção.
A verdade é que ela tinha mexido com ele.
A vontade de responder com alguma implicância a qualquer coisa que Flávia falasse. Detalhes como o formato do nariz dela, meio pontudo na ponta. Seu olhar, agitado e cheio de vida. Mas com um fundo inconfundível de doçura. Inconfundível para ele, pelo menos. O contorno dos lábios, cheios de atitude e únicos. O tom dos seus fios de cabelo, tão escuros, quase tanto quanto os dele próprios.
Tudo se registrou dentro de Guilherme, como fotos de câmera Polaroid. Coladas nas suas entranhas. Insignificâncias que seu subconsciente tinha feito o favor de guardar, contra a vontade dele.
Analisando tudo isso, achou curioso os traços físicos que os dois, Flávia e Guilherme, tinham em comum. Uma teoria filosófica veio à mente dele. Aquela em que os homens haviam nascido com quatro braços, quatro pernas e uma cabeça com dois rostos. Se bem lembrava, Zeus, temendo o poder dos humanos, os dividiu em duas partes separadas. Então condenando eles a passar a vida inteira procurando pela sua outra metade. Parecia que ele e a garota tinham sido feitos do mesmo material.
Então, pra coroar, tinha vindo aquele beijo. Somente com o intuito de se esconder dos perseguidores dela. Com ele veio um combinado de sensações para as quais Guilherme não estava preparado. Lembrou da sua resposta revoltada:
"Que isso Flávia? Que beijo foi esse?!"
Poderia se dizer que a indignação era com ele próprio. Por encontrar significado em breves segundos falsos. Ela provavelmente nem devia se lembrar mais disso. Assim como não deve ter feito muito diferença pra ela, aquele beijo no pescoço. Que o deixou mais desorientado do que ele ousava admitir naquele momento.
Guilherme suspirou pesadamente, sacudindo um pouco a cabeça. Como se assim pudesse sacudir também as ideias recém formadas. Tinha se deixado levar por devaneios demais. Olhou para o pulso, verificando a hora. É, devia ser isso, era tarde demais já. Trabalho demais.
Levantou, esticando os músculos do pescoço e girando a cabeça para os lados. Logo procurou se trocar e pegar as suas coisas. A rotina reconfortante de casa iria colocar o seu poder de julgamento em ordem, Guilherme tinha certeza disso.
Parando por uns segundos, Guilherme olhou para o escritório vazio. Apagando a luz em seguida, mal pode discernir os móveis no cômodo. Iria fazer o mesmo com as revelações dessa noite. Deixá-las no escuro até que se esquecesse delas.
Seria fácil. A probabilidade de se reencontrar com Flávia era mínima mesmo.
Quando chegou em casa, se por acaso seu beijo em Rose tinha mais urgência. Era apenas uma simples coincidência, ele tinha certeza disso.
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Se tiver algo errado na minha breve tentativa em lidar com termos de cardiologia, ignora pfv kk
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A teoria filosófica é a de Platão, mencionada em 'O Banquete' (ou 'Simpósio'). Recomendo muito, é uma leitura maravilhosa.
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Me perdoem qualquer erro!
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Cenas Deletadas: FLAGUI Edition
DragostePequenos momentos que não pudemos ver na novela.