3- Garota do trem

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Tom

Estava chovendo no sábado pela manhã, a minha sorte era que minha carona me deixaria na porta de casa, senão o notebook e os materiais na mochila ficariam ensopados. A paisagem passava devagar do lado de fora do golzinho vermelho e, mesmo que os vidros embaçados não me deixassem ver muito, não foi difícil reconhecer as casas históricas familiares e nem a imponente Igreja de São Pedro dos Clérigos. Estava perto de casa e não via a hora de cair na cama.

— Chegamos. — Leon destravou as portas quando parou em frente ao sobrado da minha família. As janelas de madeira, todas pintadas de azul, estavam abertas.

— Valeu, Leon. — Com os punhos fechados, tocamos as mãos em despedida. Meu amigo e companheiro de república continuava com o motor ligado, pronto para dar a volta e seguir para Ouro Preto, onde sua família morava. — Na volta, eu pego um ônibus até a rodoviária para você não precisar desviar do caminho, fechou?

— Fechou. — Depois de ouvir sua resposta, joguei a mochila com meus pertences no ombro e abri a porta do golzinho. — Te vejo na segunda.

Ainda chovia, então apressei o passo e alcancei a porta de entrada num pulo, evitando molhar a mim e a minha bagagem o máximo possível. Antes de fechar a porta do sobrado, ainda pude escutar Leon buzinando e depois o som do motor com a arrancada. Ele havia partido, e eu estava finalmente em casa.

— Cheguei! — gritei para o nada quando me deparei com a sala vazia, mas o cheiro de biscoito caseiro no ar reforçava que eu não estava sozinho ali. Cinco segundos depois, minha mãe apareceu na sala com uma touca de cozinha e um avental sujo de farinha de trigo.

— Outro piercing, moleque? — Ela bateu os pés, com as mãos na cintura, ao notar o novo piercing na sobrancelha.

— Uma semana sem me ver, e essa é a primeira observação que você faz? — rebati num tom falsamente ofendido, vendo dona Marta sorrir enquanto revirava os olhos. — E nem vem, esse está mais discreto que o da orelha.

Joguei os cabelos negros para o lado, mostrando o piercing transversal que ela tanto conhecia — e detestava.

— Você não tem jeito. — Ela bufou, falsamente decepcionada, antes de me envolver em um abraço sem sequer se importar com a mancha de farinha que deixaria em minhas roupas. — Estou assando uns biscoitinhos para nós, por que não vai trocar essa roupa molhada antes de tomar café?

— Tem razão — concordei, ainda segurando firme a mochila. — Nando está por aí? — Corri os olhos pela sala. Não havia sinal de Nando, e tudo parecia silencioso no segundo andar.

— Ele está dormindo, chegou tarde ontem do trabalho — respondeu dona Marta. — Não acorde seu irmão. Ele tem outro show hoje, precisa descansar.

— Não vou. — Segui para o segundo andar. Passei direto pela porta fechada do quarto do Nando e parei de frente à minha.

A porta azul também estava fechada e, quando abri, vi que não havia muita coisa fora do lugar. Meus posteres de bandas de rock dos anos oitenta continuavam nas paredes, assim como meus certificados de melhor aluno, fotos e medalhas de olimpíadas matemáticas. Os livros na pequena estante do canto estavam em uma ordem diferente da que eu havia deixado, denunciando que minha mãe os tirara do lugar para espanar, e as cortinas vermelhas na janela foram trocadas para umas de cor creme. Tirando isso, o resto estava tudo certo, do jeito que eu deixara da última vez.

Sem me demorar, arranquei a mochila dos ombros e depois as roupas frias pela chuva. Antes de me jogar sob as cobertas, vesti uma bermuda de tactel, uma camiseta de dormir e pesquei alguns biscoitinhos no andar de baixo. Precisava tirar uma soneca antes da hora do almoço, a semana anterior fora muito puxada, entre atividades, provas e monitoria. Quase não tive tempo para descansar.

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