Vingard não produzia vinho. Apesar do nome vinculado a bebida, a cidade era conhecida por seu contrabando, e não por sua produção. Ficava no pontar que dava entrada ao golfo de Ilda. Era um grande ponto de transporte de qualquer tipo de contrabando feito pelo mar. Apenas piratas tinham coragem de aportar na cidade, pois ali ainda eram os limites das terras concedidas pelo Escudo para a Guarda Branca, mas a muito a ordem de cavalaria não tinha pelotões guarnecendo a cidade por conta da falta de recursos.
Desde então a cidade foi dada a ladinagem, extorsão, contrabandos e outros crimes. Seu governo havia passado de mão em mão como uma puta de taverna, mas em sua maioria, seu poder ficava retido nas mãos dos contrabandistas que comercializavam o saque marítimo dentro do continente.
Nevava muito naquela manhã, uma neve acinzentada, e a carroça não havia parado em momento algum durante a noite. Pelo menos não haviam mais como morrer de frio. Cada um dos treze elfos que ali restavam havia recebido dos mercenários um casaco de couro com forro de lã, um cachecol também de lã e luvas grossas de algodão. Mesmo assim se amontoavam no fundo da carroça. Kurali em particular, estava aconchegado junto a Melina, uma garota de uns quatorze anos que dividia o colo da única elfa adulta ali. Seu nome era Nirela, e na falta de qualquer esperança de voltar ao seio familiar, o quente colo da elfa era um ótimo alento.
De onde estava aconchegado, o pequeno elfo podia ver o porto através da grade dos fundos. E nele um grande navio oriental com velas na cor vermelho carmim e de aparência membranosa como as nadadeiras de um peixe. Adormeceu, mas não demorou muito para que fosse despertado pelos resmungos e arrastões dos soldados de vermelho. Todos os elfos desceram da carroça encarados por orcs, humanos, halfilings e até um anão que se postavam numa fila indiana acorrentados atrás da carroça. O primeiro da fila era um orc branco como neve limpa, os olhos verdes atentos a cada orelha pontuda que descia da carroça. O sujeito não tinha cabelo ou barba e ostentava no rosto três cicatrizes perfiladas, indicando que fora arranhado por garras grotescas. O orc bufou ar quente quando Kurali desceu do veículo e lhe mostrou as presas limadas em um esgar, assustando ainda mais o pequeno.
Vali parecia pássaro vermelho empoleirado sobre o cavalo. Estava encolhido, apático e indiferente como a tal ave. O sorriso fino do rosto dando lugar a uma face endurecida pelo clima, cansaço e raiva. Quando o garoto ergueu os olhos, viu o imenso navio de velas vermelhas, podia ver no alto de um mastro figurando negra a bandeira pirata. Era uma caveira de mandíbula aberta sobre uma torre cujas pontas dos telhados se curvavam para cima a cada andar, como em qualquer construção baushiana. O desenho era vermelho com o tradicional fundo negro dos piratas.
Todos os elfos foram direcionados, subindo ao deck superior do navio na mesma fila indiana por uma grande rampa apoiada lá. Porém, o restante da coluna de escravos adentrou pelo deck inferior, nivelado com o porto.
- E quem disse que não há elite, mesmo entre escravos. - Disse um marujo de língua presa enquanto via os treze elfos tomarem espaço próximo a eles. Foi o pouco q Kurali conseguiu entender da confusão que começou a tomar o convés.
A tripulação se amontoava ao redor dos recém chegados ao navio. Quatro mercenários seguravam as correntes em vanguarda e retaguarda enquanto outros seis se dividiam nas laterais da coluna. Vali, agora já sem o cavalo subia acompanhado de outros quatro dos seus. O velho olhava em volta, parecia procurar por alguém. A respiração deixava vapor no ar com constância. Cuspiu no chão.
- Um bando de marmanjos acovardados é o que vocês todos são! Conto pelo menos cinquenta aqui ao meu redor e nenhum teve a decência de me questionar ou chamar um superior. Um bando de de macacos frouxos é o que são! - Falou Vali em alto e bom som para que todos ouvissem. A mão sobre a guarda da espada pendurada no cinto.
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O Reino Esquecido. Volume 2.
FantasíaRuído e tremor das catapultas do lado de fora ecoavam dentro do cômodo. O ar estava empestado de cheiro de fogo e magia. Um leve zunido agudo permeava os ouvidos de Khalymor enquanto o mercenário tentava se atentar a leitura. Desistiu e fechou o gro...