03 (I) - Algumas cicatrizes.

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POV SKYE BLYTH CHANCELLOR

Os primeiros dias foram os mais difíceis para mim. Haviam noites em que as imagens do acidente invadiam os meus sonhos e me deixava em desespero, revivendo tudo aquilo novamente, uma, duas, três, infinitas vezes. Eu acordava em um salto, banhada no meu próprio suor e tentando reencontrar o ritmo dos meus batimentos cardíacos. Tudo parecia tão real e... desesperador. A voz do piloto insistia em ecoar dentro da minha cabeça, martelando-a. Se eu tivesse a chance de voltar no tempo e nunca ter ido atrás daquele homem, eu o faria.

Entretanto, após longos três meses, a minha recuperação foi quase completa, restando-me apenas algumas cicatrizes, tanto físicas quanto mentais, mas eu tenho quase certeza de que conseguirei superá-las. Como já era de se esperar, os meus pais vem me mantendo encarcerada desde então e, como se isso não fosse o suficiente, eles parecem determinados em colocar o piloto atrás das grades. Eu seria filha da puta demais se implorasse em silêncio que eles nunca o encontrem? Independente da resposta, eu não consigo desejar outra coisa se não essa.

Eu nunca mais o vi em lugar nenhum. E eu não sei até que ponto isso é bom ou ruim mas, dentro de mim, eu sinto como se algo estivesse em falta. Na minha cabeça, eu pensava que iria encontrá-lo e, ao menos, ouvir algumas dúzias de desculpas esfarrapadas, mas nada disso aconteceu e, pelo visto, nem irá. No colégio, eu achei que iria me transformar no assunto do ano, pois os borburinhos pelos corredores eram persistentes, mas não me tornei, graças a uma garota que conseguiu chamar para si toda a atenção quando engravidou do nosso professor de História. Tem louco para tudo, concluí.

Assim como o homem da Harley, a aluna do primeiro ano também evaporou, aparentemente, sem motivos, o que está causando um alvoroço entre os professores, pois a suspeita de que algo muito sério aconteceu não os abandona. Penso que os dois tenham mudado de cidade para não sofrerem as consequências do acidente ou, sob pressão ainda maior, tenham se trancado dentro de casa e tirado o telefone do gancho. De qualquer forma, não é como se isso fosse da minha conta.

Quando o sinal do meu colégio finalmente tocou, capturei os meus materiais e, praticamente, joguei-os dentro da minha mochila, ávida para ir embora. Uma pequena aglomeração de alunos se formou na porta e eu tive que esperar alguns minutos para que todos finalmente abandonassem a sala. Ajustando a alça da minha mochila nos ombros, caminhei pelo corredor com passos apressados, pois todas aquelas pessoas me tiravam o fôlego e me preenchiam com a mais pura agonia. E, encostado na parede ao lado do meu armário, eu o vi. Ele estava em sua melhor forma e com aquele brilho inconfundível nos olhos. As suas roupas eram as habituais e o seu cabelo estava alguns centímetros maior do que eu me lembrava. Uma rasa camada de barba emoldurava o seu rosto de traços fortes e marcantes de uma maneira muito, muito singular, porém, esplêndida, enquanto os seus lábios estavam esticados em um sorriso.

Vê-lo novamente foi como levar um belo soco na boca do estômago, primeiro todo o ar foi tirado dos meus pulmões e, depois, uma dor aguda e quase insuportável se alastrou dentro de mim. Instintivamente, tentei dar meia volta para evitar um encontro indesejável, tarde demais! Ele já havia atraído tudo de mim para si, como um maldito ímã. Não consegui mover um músculo sequer, era como se eu fosse uma estátua na praça central, e ele parecia estar em uma condição semelhante. Ficamos minutos, talvez horas, estáticos, encarando-nos duramente. Não havia palavra alguma para ser dita e, de certa forma, tínhamos consciência disto e, sendo assim, não fizemos o mínimo esforço para converter essa condição.

E então, uma movimentação no fim do corredor atraiu a nossa atenção no mesmo instante, desligando-nos um do outro e, a última pessoa do mundo que deveria aparecer, caminhou ruidosamente em nossa direção, com uma fúria que, até então era desconhecida, estampada em suas feições. Lancei um rápido olhar para o homem que estava plantado ao lado do meu armário, na esperança de que ele entendesse a mensagem silenciosa e fosse embora o mais rápido possível, mas ele não se virou para mim e continuou observando a aproximação do meu padrasto.

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