Capítulo 3

94 9 5
                                    


Noite após noite Mikasa foi para a mesma clareira após acordar de seus pesadelos – agora mais intensos e sempre tendo o oficial como protagonista –, e em nenhuma das vezes o encontrou.

Sabia que ele ainda treinava em algum lugar pois via os nós dos dedos sempre machucados, as mãos calejadas por mais que durante o dia se limitasse às tarefas administrativas, as olheiras profundas que agora entendia perfeitamente de onde vinham.

Inconscientemente, procurava o homem e cada pequeno detalhe que denunciasse suas escapadas durante a madrugada, e Levi já havia notado a atenção que recebia da subordinada.

Brigou com Hange pelo que supôs ser ordem da mulher para que a garota o seguisse e vigiasse até mesmo durante o dia, e quando a Comandante negou séria e resoluta, admitiu que talvez só estivesse sugestionado.

Simplesmente não tinha cabimento achar que a moça o vigiava.

Apesar dessa conclusão flagrava os olhares agora frequentes e furtivos, mal disfarçados; o aspecto constrangido dela e as bochechas coradas quando encontrava seu olhar por poucos segundos antes que ela desviasse, as marcas arroxeadas crescendo ao redor dos olhos denunciando a falta de sono.

Os movimentos estavam mais lentos, o reflexo tardio e a atenção completamente comprometida, além do aspecto cansado. Precisava colocar um fim em qualquer que fosse a preocupação da garota antes que prejudicasse sua saúde.

A chamou no gabinete improvisado em um dos cômodos e mal esperou que se acomodasse antes de constatar incisivo, sem desviar a atenção dos papeis que examinava.

– Você não tem dormido.

Atônita, Mikasa demorou alguns segundos para reagir à situação, provocando a impaciência do oficial.

– E então? Vai me dizer qual é o problema?

– Só tenho dormido mal.

Levi a fitou por cima dos relatórios, percebendo imediatamente que mentia. Passou a mão irritado pelo cabelo, frustrado por não conseguir entender a peça-chave de seu esquadrão.

Era basicamente uma adolescente como os outros, por que entendê-la era tão difícil quando os demais se abriam no menor dos diálogos? Conhecia bem Sasha, Jean, Connie e até mesmo Armin, mas toda sua sagacidade parecia nula quando se tratava dela.

– Por qual motivo?

– Insônia, acho.

Convencido da própria incapacidade de arrancar a verdade, decidiu apenas resolver o problema imediato: a condição física da oriental. Ela que lidasse com os próprios demônios.

– Passe na Hange e peça algo para dormir. Quero que essas olheiras sumam o mais rápido possível.

Voltou para seus relatórios sentindo a energia hostil direcionada a ele.

– Não vou tomar nada pra dormir!

Quase sorriu ao ouvir a objeção da moça: podia não compreender como ela pensava e conhecer pouco de quem era, mas previa como ninguém suas reações. Encostou na cadeira e cruzou as mãos sobre a barriga, aproveitando a expressão aborrecida da garota.

– É uma ordem, soldado.

O movimento chamou a atenção para as mãos feridas; subiu o olhar até fixar nas olheiras que ele exibia, profundas e antigas.

– E por que você não toma?

Foi prazeroso ver uma faísca quase imperceptível cruzar os olhos antes imperturbáveis, um efeito que só tinha visto Hange conseguir em uma conversa banal – sabia que já tinha tirado o capitão do sério, mas apenas em situações de risco.

The wallOnde histórias criam vida. Descubra agora