Jean não precisou falar nada para denunciar o envolvimento do oficial com a subordinada: seu comportamento gritava de forma suficientemente clara que a proximidade dos dois o incomodava.
Então quando Hange o chamou para conversar, o capitão soube o teor do assunto de imediato. De qualquer forma era melhor que ela soubesse, assim poderiam se blindar de forma mais eficiente de ataques externos que fatalmente ocorreriam se o assunto viesse a público. Sentou-se em frente à mulher e espalmou as mãos nos braços da cadeira, esperando que a oficial falasse. Contudo, jamais esperaria a pergunta que ouviu.
– Mikasa é como Petra?
Dominou o choque o melhor que conseguiu; conhecia a Comandante tempo suficiente para saber que ela jamais era propositadamente cruel – apenas não possuía sutileza – mas o efeito prático foi o mesmo, rasgando novamente uma ferida que nunca chegou a realmente cicatrizar.
– Ninguém será como qualquer um deles.
Assim como ninguém jamais seria como Mikasa: cada pessoa era única e essa comparação o lembrava de quando Erwin os reduzia a apenas números, um incômodo que carregava mesmo confiando no julgamento do estrategista.
Hange suspirou.
Boatos sobre o envolvimento dele com Petra grassavam no quartel; a dedicação da moça e a proximidade que ambos mantinham foi o suficiente para incendiar a imaginação dos jovens soldados. Contudo, conhecia a verdade a respeito deles; Levi a via como uma protegida, lhe lembrava alguém que falhou em salvar no passado, o que só aumentou seu abatimento depois da tragédia que vitimou o esquadrão: sua alcunha de mais forte da humanidade não valia de nada se nunca conseguia salvar aqueles que confiavam nele.
Mas pelo visto, dessa vez havia fogo por trás da fumaça: o comportamento evasivo denunciava.
– Então o ciúme de Jean é justificado?
– É.
– Por que quer correr o risco de passar por isso de novo?!
A insinuação de que poderia perder de novo o irritou, apesar de saber melhor do que ninguém disso. Além disso, tentou, e como tentou se manter impassível, até Mikasa forçar uma pequena abertura em sua armadura e então, invadir de forma irreversível sua fortaleza.
– Não escolhi.
Quando conversou com Mikasa sobre Levi, jamais imaginou um desfecho desses. A garota sempre perseguiu uma imagem idealizada do irmão de criação, a ponto de se anular; seus afetos tendiam para a obsessão.
De igual forma, Levi já havia perdido gente demais para aguentar novas tragédias tão próximas. Talvez a próxima fosse o estopim para seu desmoronamento, e como Comandante sabia ser impossível garantir a segurança de Mikasa, um dos recursos mais importantes do exército.
O envolvimento que via nascer entre os Ackerman soava perigoso e desigual, entre duas pessoas feridas e inexperientes demais para manter o equilíbrio.
– Até pouco tempo atrás ela nem te via como gente!
O olhar frio e implacável buscou o dela, mas logo se abrandou de uma forma inédita. Em todo esse período alimentando a delicada relação, aprendeu mais sobre si do que em anos enclausurado pelos seus demônios. Quem olhasse não veria um homem, não poderia ver, porque ele não passava de um espectro.
– Talvez eu não fosse.
Perplexa, a mulher passou os dedos pelos cabelos oleosos, forçando uma expressão desgostosa no amigo. Se conheciam o suficiente para saber que tentar proibir qualquer decisão de Levi só resultaria em problemas.
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The wall
FanfictionLevi construiu ao longo dos anos uma muralha ao redor de si, uma barreira que parecia intransponível até Mikasa encontrar a primeira rachadura.