Eles ensaiavam tudo em uma salinha no subsolo da própria igreja. Uma hora era o suficiente para passar o texto e combinar toda a armação. Quarta-feira era o "Dia da Libertação" e o salão ficava lotado, centenas de pessoas se aglomeravam e, mesmo com as cenas assustadoras, se amontoavam diante do altar para assistirem de perto os demônios serem mandados de volta para o inferno através das mãos do Pastor exorcista.
Maycon era jovem, tinha apenas 32 anos e já era o dono de uma das maiores igrejas no Tatuapé, na Zona Leste de São Paulo. Era conhecido e polêmico, seus vídeos faziam sucesso nas redes sociais. Ganhava muito dinheiro nos cultos e não fazia nenhuma questão de esconder; só vestia roupas de grife, relógios de ouro e andava com uma caminhonete blindada que valia mais que uma casa no bairro da igreja.
Ele aprendeu o ofício logo cedo, toda a sua família sempre fora religiosa, o exorcismo, porém, foi algo que teve que aprender sozinho. Resolveu abrir sua igreja aos 25 anos de idade e alugou um salão para umas cinquenta pessoas. As coisas não iam muito bem, poucos fiéis frequentavam seus cultos e ele não estava conseguindo pagar o aluguel. Foi quando assistiu o programa de um pastor famoso na TV, em rede nacional. O pastor exorcizou uma mulher ao vivo e Maycon sacou que tudo aquilo era encenação barata. Decidiu fazer o mesmo em seu culto e bingo; a estratégia deu certo. As pessoas começaram a frequentar a igreja de Maycon e, às quartas-feiras, no Dia da libertação, ficava gente pra fora.
Ele se profissionalizou na técnica e acompanhava de perto os ensaios com os "possuídos". Alguns contratados superavam as expectativas, encarnavam a face do mal e os fiéis chegavam a desmaiar no salão.
Naquela noite de quarta ele iria exorcizar um rapaz que estaria possuído pelo demônio conhecido como Azazel, um dos sete príncipes do inferno. Azazel era o demônio da ira e o rapaz deveria demonstrar violência no altar, ele teria que ser segurado por quatro homens, mas já estava tudo combinado.
Maycon conduzia o culto normalmente e quando o relógio se aproximava das nove da noite ele viu o rapaz se debatendo entre os fiéis no salão da igreja. Rapidamente quatro homens pegaram o jovem e o carregaram até o altar. Maycon anunciou a hora da libertação e iniciou os rituais.
Ele começou ungindo a testa do jovem com um óleo benzido, e aquilo pareceu queimar a testa do rapaz, que começou a se debater, mas foi contido facilmente por dois homens que seguravam seus braços. Maycon começou a entrevistar a entidade, que revelou ser Azazel, príncipe das trevas:
— E o que você quer fazer com esse rapaz, Azazel? Por que você escolheu ele para atormentar? Ser maligno! — perguntou o pastor colocando o microfone próximo do rapaz.
O rapaz olhou para o pastor revirando os olhos e até babava entre os cantos da boca:
— Eu quero a alma dele pra mim, eu gosto dele porque ele é violento, ele anda na vida do crime, esse eu quero lá embaixo comigo — dizia o rapaz com uma voz enrouquecida.
— Mas agora, Azazel, você vai conhecer a verdadeira força do senhor. Nós vamos fazer uma oração aqui, todos juntos, e quando eu contar até três você vai libertar esse rapaz para o todo o sempre, amém igreja?
Todos os fieis assistiam a cerimônia de olhos arregalados, uns se abraçavam e rezavam insistentemente pela alma do rapaz.
Maycon fez a oração e contou até três, colocou a mão direita na cabeça do possuído e exigiu a retirada do demônio. O jovem, porém, não seguiu o roteiro, ele continuou com a cabeça abaixada, olhando fixamente para o chão. Ele não se levantou chorando, como era o combinado. Maycon insistiu, pedindo que o jovem se levantasse... e nada:
— Levanta e seja livre, meu rapaz, dê glorias ao senhor.
O rapaz continuava imóvel e olhando para o chão. Maycon fez um sinal com a cabeça para os dois homens levantarem o jovem, e quando tentaram fazer isso, o rapaz, com uma força sobrenatural, arremessou os dois ajudantes ao chão com um simples movimento de braços. O Pastor deu dois passos para trás, algo estava errado e ele percebeu; aquilo não estava no script.
— Tá repreendido — tentou disfarçar Maycon, que começou a suar. — Você ainda não foi embora demônio? Insiste em perturbar esse servo do senhor?
O rapaz se colocou de pé com um movimento ágil e impressionante. Levantou a cabeça e olhava fixamente para os olhos do pastor. O seu olhar era demoníaco; os olhos estavam sem brilho, opacos, e a pupila totalmente dilatada, o que deixavam os olhos quase negros.
— Olá, Maycon. Creio que não esperavas por minha visita — disse o rapaz com uma voz áspera e rouca, que fez o pastor se arrepiar inteiro.
Nesse momento algumas pessoas deixaram o culto, de medo. Outras se aproximaram ainda mais do altar.
— Qual o seu nome, demônio? — o pastor não sabia o que fazer.
O rapaz encheu os pulmões e soletrou o nome através de um grito tão potente e assustador que poucas pessoas permaneceram no salão e, o pastor Maycon, foi parar no chão.
— A Z A Z E L — gritava o rapaz com um timbre perturbador.
Um dos seguranças do pastor tentou conter o rapaz, mas ao se aproximar levou uma cotovelada tão forte que o lançou a dois metros de distância e ali ficou, desacordado.
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O Pastor
HorrorO Pastor e o príncipe do inferno é um conto de terror. Maycon tinha uma igreja e ganhava muito dinheiro fazendo falsos exorcismos, um dia, porém, o que era para ser apenas encenação, se tornou realidade.