Abri a janela e senti a brisa gelada me recepcionar, puxei o casaco puído e comecei a dobrar o cobertor fino, que estava pequeno e desgastado demais para esse inverno monstruoso que se pronunciava. O frio tinha começado a duas semanas e eu já sentia com muita força tudo que me faltava para sobreviver à essas madrugadas congelantes.Quando terminei de ajeitar o travesseiro e coloquei o ursinho rosa no centro ouvi as passadas inconfundíveis dela, toc toc toc, hoje era sábado e eu sabia exatamente o que me aguardava e meu estômago revirou antes mesmo que a visse.
— Você foi convidada pra um aniversário hoje não esqueça de estar pronta cedo. — Ouvi sua voz gélida e antes mesmo de me virar sabia que me estudava e esperava uma negativa para começar com uma retaliação.
— Tudo bem — falei ainda sem me virar.
Ela ficou em silêncio por uns minutos, depois mudou o peso dos pés fazendo uma tabua solta do piso ranger.
— Ok — falou frustrada e saiu.
Eu já estava acostumada a me retrair diante das vontades dela porque na verdade é simples assim as vezes algo se torna tão natural para você que nem se dá conta de que existe a opção de algo diferente. Desde que entendia minha vida era assim, ela escolhia e eu seguia, subserviente, medrosa e nada tinha mudado apesar dos meus 17 anos e talvez esse fosse nosso irremediável relacionamento.
Olhei para minha cama arrumada, prendi o cabelo emaranhado num coque extremamente bagunçado e sai. De longe já consigo ver o letreiro preto e branco escrito Café Hana 花. As mesinhas brancas já estavam espalhadas pela pequena calçada e dois clientes sentados bebericavam seu café para afugentar a brisa gélida, termino minha banana, parada a uma curta distância e entro correndo pelos fundos como sempre.
— Bom dia — falei assim que vi minha chefe parada checando o estoque.
— Que casaco fino é esse, menina, o frio vai acabar petrificando você — Marli falou assim que me olhou.
— Se eu ganhasse um pouco mais talvez comprasse um casaco melhor — brinquei.
— Não seja por isso, já para o trabalho, se aprender a chegar no horário pode até receber um aumento e comprar roupas descentes, seria um milagre, mas vamos ter fé. — Sua voz era dura, mas o risinho característico a entregou.
Peguei meu avental e comecei a amarra-lo enquanto seguia para a cozinha e comecei a lavar as louças em silencio e aquela sensação de lar foi me envolvendo instantemente.
— O que faz aqui pequena? Preciso que me ajude com as mesas hoje Maya tudo bem? — Marli falou.
— Estamos lotados? — Perguntei secando as mãos no pano de prato.
— Milagres acontecem...
— Bem vinda às férias de verão chefinha, a loucura jovem vai começar.
— Mandei fazer um uniforme pra você a algumas semanas já antecipando esse bom tempo, então, vista-se e venha me ajudar, vou ficar realmente maluca em dez minutos.
— Chego no salão em cinco.
— O que faria sem você?
— Não precisamos descobrir né? Nunca vou sair daqui.
— Um dia sairá sim, mas por hora, vista seu uniforme, deixei no banheiro, seja rápida e salve-me.
Peguei o uniforme com meu nome e sorri, vesti em tempo recorde, amarrei o avental e passei por Marli sorrindo.
— Três minutos.
— Mesa três — ela falou e sorriu.
Peguei o bloco de notas, dois cardápios e ainda sorrindo me aproximei da mesa três.
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De Tal Maneira (Degustação)
SpiritualMaya nunca soube o que era amor de mãe, viveu distante do pai e nunca conheceu avós ou parentes. Cresceu em meio ao caos imposto por sua mãe e seu maior sonho era se ver longe disso. Um dia uma reviravolta triste trás essa oportunidade. E a vida de...