Ato I

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"Ele caminhava naquela estrada invernal há mais tempo do que podia contar, sem conseguir lembrar de onde vinha ou para onde ia. Se sentia solitário...

"Muito solitário...

"Enquanto passava por mais uma tempestade voraz, sua pele sentindo o toque impiedoso e gélido das rajadas de vento e seus pés afundando na neve fofa, porém fria, a cada passo que dava, refletia sobre o sentido que havia adotado para sua existência. O porquê de estar ali.

"Procurando por um futuro...

"Mas que tipo de futuro?"

— Ruby — chamou uma voz feminina delicada. Seu tom demonstrava preocupação.

A voz dela era sempre tão acalentadora...

— Ruby — tornou a chamar, desta vez, em um tom um pouco mais elevado, a fim de chamar a atenção daquela jovem, cuja mente se encontrava imersa em um oceano de reflexões.

Todo santo mês de Dezembro era assim.

Enquanto a maioria se aprontava para o feriado mais esperado do ano; o Natal, comprando presentes decorando suas casas, mandando cartinhas para o bom velhinho, carinhosamente chamado de "Papai Noel", Ruby não tinha o mesmo entusiasmo de celebrar a data. Não tinha com quem fazê-lo.

Desde que havia passado a viver com seus tios, a maioria da atenção era voltada para sua prima, Amber. E embora seu tio não fosse a favor de tal favoritismo, ele não se posicionava realmente diante da situação.

Ruby ainda lembrava do alívio que sentiu quando pôde finalmente prover sua própria comida, embora não de forma desejável, ela já não precisava viver de restos da ceia, como era costume a cada ano. Mesmo assim, no primeiro e segundo Natal que havia passado com a nova vida, na editora Noble Books, ela ainda não via nada além de um buraco negro vazio naquelas recordações... naquele sorriso, naqueles elogios...

Eu fui tão tola — pensou a jovem de cabelos escarlate, fechando os belos olhos esmeraldinos, enquanto lembrava do rosto do líder do grupo interno da editora. — Talvez porque não tinha com o que comparar. O último natal bom que me lembro... foi com a mamãe...

— Ruby! — exclamou na terceira tentativa, fazendo Ruby sair de seu transe. Foi tão abrupto, que ela sentia seus reflexos entorpecidos.

— Scarlett? — Ruby se voltou para trás, encontrando os olhos azuis de sua amiga, que estava em pé ao lado da janela que levava à parte externa do café.

— Está frio, você não acha? Não seria melhor você entrar? — sugeriu a ruiva. — Suponho que você não queira pegar um resfriado nas vésperas para o Natal, certo? — comentou.

Naquele instante, como se todos os seus sentidos tivesse voltado ao funcionamento regular, Ruby sentiu a baixa temperatura punir seu corpo com um frio cortante. Seus dedos, mesmo protegidos por luvas de lã da cor do vinho, estavam dormentes. Ela estremeceu, soltando um suspiro, este que produziu o típico efeito de fumaça branca saindo por entre seus lábios congelados.

— Ah, não havia me dado conta de como estava frio — comentou Ruby, abraçando o próprio corpo, estremecendo e correndo da varanda para dentro do estabelecimento, sentindo o calor do ambiente assim que o adentrou.

Assim que respirou fundo, para sentir o calor invadir seus pulmões gelados, sentiu também o aroma de pão francês fresquinho e cappuccino.

— Que cheiro bom — comentou Ruby, se sentando em seu lugar de sempre, junto da janela, onde havia deixado seu caderno de anotações, onde registrava suas inspirações, ideias e epifanias. A bela paisagem costumava proporcionar muita inspiração com frequência.

Between the Pages - A Apresentação de NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora