pov Guilherme
Estar no corpo de Flávia era uma tortura. Não conseguia nem ao menos olhar no espelho sem que se visse obrigado a engolir em seco sua inquietação.
Tentava a todo custo se convencer de que o nervosismo crescente era por ter perdido o controle da sua vida, mas no fundo sabia que não era apenas isso. Na verdade, muitas vezes isso nem era uma questão. O que também o desconcertava, ele não costumava ser assim.
O problema é que não conseguia mais fugir. Ela estava ali, literalmente. Não conseguiria mais fingir que não sentia o que sentia. Não podia simplesmente virar às costas e continuar ignorando o que vinha crescendo dentro dele desde que seus olhos encontraram os dela pela primeira vez. Ele não tinha mais espaço pra dar voz ao medo, não ouvia mais nada além do coração que batia forte e implorava por ela.
Deitado em sua cama, observando seu próprio corpo adormecido, agora abrigo da razão de suas confusões, tentou enumerar quantas vezes já havia negado a si mesmo seus sentimentos. Uma tarefa árdua, pois sempre que estava com ela, parecia fazer um esforço enorme para não se deixar levar.
Com mãos trêmulas, sem perceber muito o que fazia, tocou o rosto que agora pertencia a Flávia e ali iniciou um carinho. Seus dedos recebiam choques pelo contato da pele e ele só conseguia pensar em como desejava ficar com ela.
Flávia foi lentamente abrindo os olhos e, ainda sonolenta, curvou as bochechas em um sorriso. Sabia que aquela mulher seria a ruína de sua sanidade, e Guilherme, assustado com a intensidade das sensações despertadas instantaneamente, tirou sua mão e fingiu estar dormindo.
— Doutor, doutor... Não adianta fingir que tá dormindo, que eu sei bem como acordei, tá? — Flávia sussurrou próximo a ele, que sentiu um frio no estômago, por ter sido pego.
Sem saída, abriu os olhos, sentindo-se enrubescer. Encarou uma Flávia com um sorriso travesso e o olhar iluminado, que fez o coração de Guilherme errar a batida. Estava completamente perdido.
— Te peguei no pulo, Guilherme! — Disse um pouco mais alto dessa vez, parecendo brincar, mas a tensão que se formava ali era quase palpável.
— E-eu não sei do que você tá falando! — Disparou nervosamente, enquanto tentava controlar o formigamento que passava por seu corpo.
— Você sabe exatamente do que eu estou falando! — Os olhos de Flávia eram incisivos, e seu sorriso foi desmanchando.
— Flávia, eu... — Queria de alguma forma tentar justificar aquilo, mas na verdade não conseguia entender, era mais forte que ele.
— Você não dá o braço a torcer mesmo, né doutor? É impressionante! — Guilherme podia sentir que ela estava irritada e não podia julgá-la. Até ele estava cansado de tanto fingir. Ela não merecia passar por isso.
Flávia se levantou e foi em direção ao banheiro, deixando Guilherme atônico na cama.
— Flávia, espera...— Exclamou após alguns segundos, finalmente levantando-se da cama e a seguindo.
— O que você quer, Guilherme? — Agora ela realmente parecia brava. Ele podia ver nos olhos dela, que independentemente do corpo, queimavam da mesma forma quando estavam com raiva. Não deixou de pensar em como ela ficava linda assim e quase sorriu com essa constatação.
— Você não vem pra cama? Vamos dormir... — Falou meio manhoso. Não queria brigar e também não conseguia pensar em dormir sem ela.
— Eu estou sem sono agora. Pode ir...
— Não, vem pra cama comigo. Não vou conseguir dormir sem você — Não sabia como deixou isso escapar, mas quando percebeu as palavras já haviam saltado da boca. Sentiu um nó de nervosismo no estômago.
— Consegue sim, doutor! Já fez isso por uma vida inteira. Nunca foi assim e não é como se daqui pra frente também será. Vai lá... Eu preciso pensar. — Podia perceber tristeza e amargor na fala e expressões de Flávia, que não o encarava diretamente, como sempre fazia. Sentiu imediatamente a aflição de se imaginar dormindo ou vivendo um dia que fosse sem ela. Ele não podia permitir isso.
— Flávia! — Exclamou, pegando em seu braço, para que ela o olhasse nos olhos — Eu sei que eu sou um idiota, tá bom? Eu tenho sido burro desde daquele acidente de avião. Não sei como agir, Flávia.
Ela, que parecia até então muito brava, aparentou achar graça no desconcerto do médico, que não sabia expressar sua confusão.
— O doutor das galáxias se chamando de burro? — Disse em um tom atrevido, com as sobrancelhas levantadas — Posso saber do que você tá falando, Guilherme? — Cruzou os braços e o olhou com curiosidade.
— Você me enlouquece, Flávia. Eu não sei reagir a isso, nunca me senti assim antes. Eu só sei que não consigo mais ficar longe de você — Admitiu e baixou os olhos para as mãos deles, que estavam entrelaçadas. Sentia-se constrangido pela exposição, mas também com um alívio enorme no peito.
— É só não ficar, doutor. Eu não vou a lugar nenhum. — Flávia murmurou colocando um dedo sob o queixo de Guilherme, fazendo com que seus olhares se cruzassem.
Por um momento, Guilherme pôde claramente ver sua Flávia naqueles olhos que antes eram seus. Ele a desejava tanto que parecia que não existia mais nada ao redor. Eram só eles e nada mais importava no mundo.
Sem mais se conter, ficou na ponta dos pés e puxou Flávia pela camisa. Ainda achava engraçado ser muito menor que ela agora.
Os lábios se encontraram e se confundiram, assim como as respirações entrecortadas. Guilherme perdeu completamente qualquer resquício de racionalidade. Só queria ficar ali e se perder com ela no mundinho deles.
Puxou Flávia mais ainda pra si, sentindo que apesar da aparente diferença física causada por essa brincadeira da morte, o beijo dela ainda era o mesmo e suas bocas pareciam ter sido moldadas como metades que só faziam sentido juntas. Só podia pensar que nasceu para estar ali. Era destino. Eles eram o destino um do outro.
— Eu te amo, Flávia! Eu sei que demorei pra admitir e fui um idiota com você por medo de tudo o que você despertou em mim. Foi muito difícil entender o quanto você mexe comigo, mas é impossível imaginar uma vida sem você. Fica comigo, por favor? — Implorou olhando nos olhos dela, enquanto trilhava um caminho de carinhos pelo seu rosto com a ponta dos dedos.
— É claro, Gui! Você não sabe o quanto eu sonhei em ouvir isso... Eu te amo! Eu te amo muito! — Disse puxando-o pela gola da camisa, colando seus corpos mais uma vez e depositando mais um beijo em seus lábios.
Se separaram minimamente apenas quando faltou o ar e colaram as testas sorrindo um pro outro. Guilherme descolou suas testas e iniciou um lento beijo de esquimó. Isso era algo tão deles, não pôde deixar de pensar. Tinha muitas coisas que eram.
Ele, antes alma machucada pelas desilusões sofridas, finalmente se achou completo na imensidão do sentimento que transbordava a cada vez que seu olhar encontrava o dela, cada vez que a tocava. Era amor na forma mais pura que já havia experimentado.
Nota da autora: Essa foi bem curtinha, achei no meu bloco de notas e pensei em compartilhar com vocês. A saudade desses dois só aperta :'(
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The spark - Oneshots Flagui
FanfictionContos do casal Flávia e Guilherme, onde eles se metem na maior roubada de suas vidas: se apaixonam um pelo outro.