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seu segundo mês em monte carlo havia finalmente chegado ao fim e enquanto gianna se livrava dos sapatos de bico fino com o auxílio dos pés para não precisar baixar-se, encostava a cabeça na porta da entrada do apartamento em que morava, fechando os olhos o suficiente só para descansar por um segundo e meio. não pensou que pudesse estar assim tão cansada no auge de seus vinte e dois anos. pessoas assim não novas não deviam se sentir cansadas, dizia sua nonna.

bem, agora que ela havia saído de uma cozinha depois de catorze horas de trabalho intenso, ela se via no direito de atrever-se a dizer: "ora, abbi santa pazienza.." [ora, tenha santa paciência...] para o comentário da mais velha. não que ela fosse ouvi-la, em piedmont, na itália, onde provavelmente dormia uma noite de sono muito confortável na cama de casal que tinha somente para si, nonna devia estar relaxada demais para se preocupar com os resmungos baixos da neta.

gianna se permitia a auto piedade por alguns momentos até finalmente alcançar a cozinha amadeirada. grande o suficiente para que a italiana pudesse encher cada um dos armários que possuía com todos os tipos de utensílios possíveis porque, apesar de ter se mudado depois de deixar a maior parte dos pertences em vendas de garagens e antiques, rambaudi prometera a si mesma que o que tivesse agora seria seu para sempre, onde quer que fosse.

uniriam-se às três grandes caixas marrons e levemente amassadas nos cantos com "FRÁGIL" carimbados por cada pedaço livre para leitura. a morena não estava tão preocupada em abri-las e destinar lugar ao que cada uma guardava, mas ali dentro estavam as coisas que não se podia deixar para trás.

seu novo conjunto de facas iria para lá quando chegasse o dia de dizer adeus a mônaco. a tábua de carne também, era muito boa para ser jogada fora.

e bem... todo chef que se prezasse tinha lá suas superstições sobre seus materiais de cozinha e assim como suas grandes inspirações faziam coisas como reverências e beijos próximos demais a objetos muito cortantes, gianna também murmurava cumprimentos aos seus quando se aproximava e naquele momento, se alguém estivesse perto o bastante, teria ouvido-a falar: "buona notte miei cari." [boa noite, meus queridos.]. ninguém estava, entretanto.

ninguém além dele, ela concluiu ao ouvir as notas iniciais de mais uma melodia.

gianna havia conseguido um bom negócio quando decidira se mudar para mônaco. depois de muitas pesquisas e buscas por aluguéis ou algum tipo de compra que não lhe endividasse pelo restante da existência, a italiana encontrou o número de um corretor que lhe indicou um outro corretor e num telefone sem fio desses, na sexta ou sétima pessoa com quem conversou encontrou um imóvel perfeito! era um lugar assombrado pelos últimos donos que foram encontrados mortos depois de uma discussão gigantesca entre si que se findou por um crime passional. pelos próximos seis anos, o apartamento estivera simplesmente lacrado.

era barato o suficiente para que gianna rambaudi pudesse gastar seu dinheiro nele e bom o suficiente para que a situação inteira fosse absurda demais para ser real. nonna havia adorado, deu todas as risadas que pôde enquanto atormentava a neta com a possibilidade de uma alma lhe assombrar a estadia. secretamente, a italiana mais jovem esperava que não acontecesse.

porém, com poucas horas de sua chegada, ela já havia sido agraciada com as músicas do único vizinho de andar que possuía. e desde então, ele parecia sempre estar tocando quando ela decidia cozinhar o que quer que fosse e agora, já não existia mais esse pedaço de sua casa se não existisse o rapaz da música clássica.

não que ela soubesse também que se tratava de um rapaz, mas podia jurar que já lhe ouvira rindo entre uma ligação ou coisa do tipo pelo corredor e até mesmo em uma das paredes que dividiam de cômodos. gianna lembrava de dar risada sozinha enquanto organizava o quarto que fazia de ambiente da bagunça ao escutá-lo tão animado com o que quer que fosse. então secretamente, ela cruzava os dedos para que fosse um rapaz. e que ele pudesse ser um rapaz solteiro.

revirou os olhos pensando sobre o quão ele ser solteiro ou não, não mudava absolutamente nada já que, não pareciam se encontrar em qualquer momento e ele parecia sumir por vários dias, às vezes. sua casa ficava silenciosa e ela não ouvia o piano lhe fazer companhia entre uma refeição e outra, ou teste e outro por dias a fio.

do lado de lá, charles leclerc mantinha os olhos fechados e o cenho levemente franzido enquanto se concentrava em mais uma de suas horas com o piano. o silêncio dentro do ambiente era algo que ele precisava naquele dia. já era terça-feira à noite e isso significava que ele estaria viajando em algumas das horas dessa próxima madrugada. sua mala já o aguardava pronta ao lado da porta de entrada de sua casa e enquanto ainda tinha algum tempo livre, sentou-se para uma música.

a tensão era crescente agora que iam para a espanha. o circuito da catalunha era especial para o companheiro de equipe e mesmo assim, o monegasco não se via na situação de lhe entregar o troféu em casa, ainda assim... não precisava disputá-lo unicamente com o outro piloto da ferrari no grid. na verdade, o primeiro piloto da red bull racing parecia muito disposto a sustentar o primeiro lugar no campeonato pela segunda vez e era numa vitória contra ele que o moreno pensava, enquanto chegava às notas finais da música.

não estava focado somente na competição. não, ele havia passado os últimos dois dias estudando muito mais intensamente a pista em que estariam nesse fim de semana e portanto, esperava que os outros fatores estivessem a seu favor. entretanto, precisava considerar cada um dos fatores que o aguardavam. e depois de entrar numa segunda e terceira músicas... ele abriu os olhos ao sentir o vibrar do telefone sobre o piano.

seu preparador físico se encontrava na frente do prédio, aguardando-o e ele não interrompeu de supetão a música, finalizou-a um pouco mais cedo, decrescendo as notas lenta e gradualmente. levantou-se do banco acolchoado e ao chegar à porta, inalou um cheiro que agora já parecia se tornar familiar. o aroma de comida estava preenchendo todo o espaço e ele segurou o puxador da mala, apagando as luzes ao deixar o lugar. esperando pelo elevador, tentou prestar mais atenção no cheiro que sentia e de longe, ouviu alguns barulhos que pareceram murmúrios. altos somente o suficiente para deixá-lo curioso.

assistiu o elevador subir lentamente e andando muito lentamente, ele deixou a mala onde estava, juntando a orelha na outra única porta do andar, ouvindo um cantarolado do que parecia ser a última música que estivera tocando. deixou um riso nasalado escapar à medida que um sorriso crescia nos lábios ao sentir também o cheiro de bolinhos de... chocolate?

as portas se abriram e ele deu dois grandes passos em direção ao elevador, trazendo a mala consigo. era quase um ritual agora, sentir o cheiro da comida que parecia sempre tão apetitosa enquanto tocava o que quer que fosse. e agora que havia ouvido o cantarolar, não conseguia tirar o sorriso dos lábios, pensando no quão engraçadinha a voz parecia ser, ainda que um tanto desafinada.


primeiro capítulo! ainda é bem cedo no desenvolvimento deles e eu queria ter a chance de introduzir nossa o.c. individualmente, mas estou mais animada para os próximos capítulos! não pretendo demorar muito a postar e quero aproveitar esse rush de criatividade, então esperem uma aparição muito em breve.

the pianist ⁕ charles leclercOnde histórias criam vida. Descubra agora