O Andarilho e a Fada Branca

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"Era uma vez uma fera que andava como homem, sonhava como homem e amava como homem"

Ele saiu da água salgada sentindo o vento e a noite na pele nua. Briseida estava parada, flutuando sobre as areias brancas como sal, com os braços cruzados, nem um pouco admirada pelo corpo que ela viu crescer de um filhote desengonçado a um homem.

O andarilho não pôde deixar de observar que ela usava um vestido vaporoso quase da cor do mar, parecendo uma vênus emergindo das espumas brancas. A luz da lua acentuava o prata cintilante dos cabelos longos.

Beleza que escondia um par de adagas gêmeas. Um lembrete de que ele não era a única criatura perigosa ali e seu relacionamento com aqueles seres antigos e místicos existia dentro de estreitos limites.

Pela expressão no rosto de Briseida, aquele não era o momento de testar aqueles limites. Por isso se limitou a pegar as roupas sobre a pedra e partir.

A mulher de longos cabelos cor de luar suspirou longamente, podia sentir a mudança no vento. O tempo da inocência estava chegando ao fim para suas protegidas.

Aquele homem fazia parte dos muitos segredos que ela preferia que permanecessem ocultos até que elas se tornassem adultas. Havia tanto para ensinar em tão pouco tempo.

O quanto poderia adiar o encontro delas com as verdadeiras trevas? Quando a hora chegasse, o andarilho permaneceria neutro? Brisa não sabia se devia rezar para que a resposta fosse sim ou se podia ter a esperança de ele se tornar um aliado.

— Por que com ele tudo tem que ser sempre tão complicado?

— Livre arbítrio é sempre complicado — respondeu Christopher.

— Desde quando está aí? — perguntou ela antes do mentor se materializar.

— Desde que começou a suspirar — respondeu com um sorriso paternal. — Lembre-se que apesar de ter negado veementemente, no fim ele acabou ajudando.

— Chama aquilo de ajuda? — interrompeu Vince surgindo como uma chama viva. — Se ele quisesse, teria destruído as criaturas muito antes das vidas dos humanos estarem em risco — esbravejou deixando faíscas de seu temperamento iluminarem a noite.

— E se ele quisesse, poderia desencadear toda sua escuridão sobre a cidade e sozinho levar todos os mortais ao terror e à loucura — respondeu Brisa. — Mas ele não o fez.

— Devíamos tê-lo matado quando era um filhote, antes que se tornasse uma ameaça tão grande para os mortais.

Os olhos âmbar do mentor pousaram sobre Vince, que abaixou a cabeça.

— Deveríamos? — perguntou. — Quando foi que começamos a matar crianças? O que isso faria de nós?

— Ele não é mais uma criança.

— E não fez nada que justifique uma pena de morte. — Christopher mantinha a voz baixa, porém firme.

— Ainda — respondeu ainda de cabeça baixa, cerrando os dentes.

— Toda alma nascida neste mundo recebeu a benção e a oportunidade de melhorar a si mesma. Demônios nem sempre foram demônios, e nem sempre o serão.

— Eu queria ter tanta certeza disso — retrucou Vince.

— Presumir que alguém vai escolher o caminho das trevas só porque tem o potencial condenaria todas as criaturas viventes e não nos faria melhores que Nerian, que julgou os mortais e decidiu considerá-los inferiores a ponto de acreditar que não tinham direito ao livre arbítrio.

Vince suspirou deixando a raiva esfriar.

É, talvez. — Pensou sem muita convicção.

A PRAIA DAS ALMAS LIVRO II - PRESUNÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora