Família

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Qual a escolha correta ? Uma mentira piedosa? A omissão por amor? A verdade que pode destruir a pouca paz de espírito de um pai e uma mãe? — ela se perguntou.

Samantha demorou o quanto pôde, apreciando a sensação revigorante da água e esperando que o contato frio a despertasse daquele estupor.

— Só existe o caminho à frente, tanto agora como no passado — murmurava uma voz estranha, abrindo caminho dentro da mente dela e forçando Samantha a caminhar na beira de um abismo que ela sabia que de algum modo sempre existira sob seus pés.

Dali em diante, cada movimento, desde secar o corpo a vestir os jeans surrados, parecia vazio e mecânico.

Gabriel entrou no quarto quando a irmã penteava os cabelos, prendendo os cachos em uma trança longa.

— Ainda bem que te peguei aqui. Ia detestar correr até o estábulo....

— Estamos de férias — disse ela. — Não preciso levantar de madrugada para tirar os cavalos a tempo de ir pra escola.

— As férias mais curtas da minha vida.

Samantha encarou o irmão um instante.

— O que foi? Levou um fora?

Ele torceu o nariz.

— Gastou o dinheiro que o pai deu para a gasolina? — arriscou novamente.

— Não. — Fez uma pausa esfregando as mãos ansioso. — Mas ele bem que poderia ser menos murrinha.

— O pai não é murrinha. Ele paga pelo que a gente trabalha. — Samantha deu os ombros.

— Justo porque você ama cuidar daqueles bichos e nem gasta o que ganha. E, caso tenha esquecido, eu tô de castigo, então o trabalho é de graça.

Gabriel a segurou pelo braço. Estava mais agitado que o normal.

— Enfim, a tia ligou noite passada. Tava desesperada — disse com cautela.

— Mary aprontou de novo. — Samantha constatou com um suspiro. — O que quer que ela faça, não tem nada a ver com a gente.

Ele desviou do rosto da irmã, o que deixou Samantha preocupada.

— Um dos motivos de mudarmos pra cá foi pra você ficar longe das loucuras da prima — disse ela.

— Isso é diferente. — Ele respirou fundo. — O tio bateu na Mary. — Gabriel fez outra pausa. — Bateu feio. — Puxou o ar, e Samantha conseguiu ver o desespero distorcer as feições do irmão. — O tio não é uma pessoa violenta, mas... consegue imaginar ele batendo em alguém? Na própria filha?

— E por que está me dizendo isso? — Samantha tocou o ombro do irmão.

— Ela tá vindo para cá.

Ela se afastou do irmão.

— Eu sei que não gosta dela.

— Nem gosto nem desgosto da prima — retrucou com uma careta.

— Mentir não é muito a sua cara — acusou o irmão.

— Quer que eu seja honesta? — Samantha caminhou pelo quarto. — É horrível que ela tenha apanhado, mas ainda me deixa muito puta da vida que Mary ferrou com você. E não foi uma vez só. Ela te leva pro fundo do poço.

Gabriel engoliu em seco.

— Ela vai morar aqui, pelo menos por um tempo.

— O pai concordou com isso? — Samantha quase gritou.

A PRAIA DAS ALMAS LIVRO II - PRESUNÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora