— Que foi, menino? Tá passando mal? — A senhora pergunta passando com cautela a mão pesada sobre o ombro do rapaz.
— Não. Eu tô bem. Eu só... senti saudades do papai — Ele responde enquanto acaricia a mão cálida da mulher.
— Ah. Também sinto. Todo dia, quando olho pra essas fotos.
Alex olha em volta para as janelas de vidro largas, as paredes brancas e verdes planas e o teto alto. Um espaço enorme.
— A senhora se sente bem vivendo aqui?
— Vivo, sim. Não troco minha casinha por nada. — Ela diz com um braço tocando o sofá carinhosamente. — Vivo aqui há muito tempo. E minha família nasceu aqui e se foi aqui. Vou ficar aqui até me encontrar com eles também.
Alex não faz nada a não ser sorrir com a serenidade que ela afirma o que fala. A saudade dói como sempre, um buraco que não fecha, mas ela conseguiu crescer em volta.
O símbolo no olho dela esvai-se como névoa, na frente do olhar que não o enxerga.
Alex, olhando para o álbum, vê uma fotografia antiga, em sépia.
Uma mulher sorria docemente com um buquê repleto de flores e enfeites em mãos enquanto o véu longo — cujas flores e pétalas bordadas pareciam cair numa brisa — estava jogado para trás. O vestido tinha flores brancas que surgiam por todo o busto. As mãos da noiva, assim como o olhar fascinado, tocavam o noivo que retribuía os gestos afetuosos. Ele vestia um paletó preto e o cabelo estava totalmente embebido em algum gel ou creme, deixando-o tão lambido que deve ter dado um bom trabalho lavar depois. Haviam duas assinaturas na imagem que diziam os nomes dos recém-casados. A primeira, um pouco confusa e garranchuda, dizia "Clara Duarte". A segunda, mais legível e mais caprichada, mostrava "Leonardo Carvalho".— Quando a senhora conheceu o vovô?
— Ah, eu me lembro como se fosse ontem! — Ela afirma com um forte entusiasmo no sorriso aberto por trás do óculos. — Foi...
Assim, tão de repente como uma sirene irritada com um invasor, o símbolo do sol atravessado pela flecha retorna ao olho esquerdo dela, brilhando mais intensamente do que antes, mais feroz.
— Ué... Foi... Foi... Foi... — Clara repetia as palavras nos estalares dos dedos, numa agonia paralisante que a impedia de encaixar as palavras, pois as peças necessárias eram tão disformes que nenhum encaixe as aceitaria. — Não tô conseguindo me lembrar!! Como eu não lembro? Foi... — Como não lembrava dele? Como poderia não lembrar de como o conheceu? Ninguém esquece algo tão importante de alguém que ama.
Alex percebeu o símbolo oscilando mais e mais, e mais, e mais.
Em um momento, ainda tentando recordar de uma chave que leve-a para o outro lado do cadeado daquela memória, Clara se levanta para levar os pratos até a cozinha quando cambaleia com a tontura, deixando uma xícara cair e despaçar-se no chão, irrecuperável como a lembrança que não voltava. Alex levantou-se num flash para que a senhora não caísse e a segurou nos braços.
— O que houve?
— Não, não é nada, acho que foi do sol. Eu tava cuidando das plantas e hoje tá um calor que só, e ainda sem ter comido muito desde o almoço até agora, aí, já viu, né? — Ela ri. — Eu tô velha. É só isso. — Ela olha para a foto. — Menino, mas eu não tô lembrando mesmo. Mas vou lembrar! Ainda nessa semana. Quando eu lembrar eu vou ligar pra ti e aí eu conto! — O sol desaparece novamente e Clara começa a abaixar-se para recolher os cacos maiores.
— Deixe que eu faço isso. Se sente um pouco até a tontura passar. Onde a senhora deixa uma vassoura? — Alex diz enquanto recolhe os pedaços de porcelana no chão.
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A Cor Do Céu Nos Seus Olhos (Romance Gay)
FantasyAlex nasceu com a habilidade de manipular o fogo e a luz e desconhece a origem dessas habilidades. Como se não bastasse, ele possui sonhos recorrentes com dois jovens: Hélio e Heitor, que morreram em 1989 quando lutaram contra uma criatura obscura e...