Capítulo II

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Entre a escola e cafeteria onde trabalho, tenho uma pausa de uma hora e meia pra descansar. Geralmente aproveito para me drogar nos becos do meu quarteirão. Brincadeira. Eu almoço, adianto as tarefas da escola, - as que sejam realmente importante ou as quais eu me lembre - e as vezes cochilo.

Preguei os olhos por um segundo e escutei o bip irritante do meu despertador, hora de levantar. Escovo os dentes, prendo meu cabelo num coque perfeito e passo um delineador preto, - eu detesto maquiagem, se tem uma coisa que eu acho desnecessário é um quilo de pó na cara, ela esconde completamente a beleza natural que existe em alguém, mas de uns tempos pra cá Clarisse me convenceu a deixá-la pintar meu rosto e até que gostei desse negócio de ser mais "feminina" - tiro meu avental do varal e o soco dentro da minha bolsa. E lá vamos nós. O café impresso ficava há duas quadras da minha casa, eventualmente eu ia de bicicleta, mas na maioria das vezes preferia ir andando, gostava de andar, era bem útil pra organizar a mente.

É um dia qualquer da semana, e ao redor há professores, alunos, namorados, leitores e amantes de café.

A cafeteria vivia movimentada, principalmente no período da tarde. Era um lugar calmo, aconchegante e silencioso, o melhor trabalho que se podia ter embora eu ganhasse menos do que queria. O único som que podia se ouvir eram teclas sendo pressionadas, páginas sendo viradas e conversas entre amigos. O que mais me animava era o cheiro do café - embora eu detestasse a bebida. Tinha uma garota que ia lá todas as terças, ela sempre pedia um expresso com chantilly e foi exatamente essa garota que mudou completamente o que eu pensava ser a única coisa certa na minha vida: a minha sexualidade. Na verdade, eu sempre tive manifestações do meu lado lésbico, mas nunca tive tanta convicção dele.

Eu não sabia o nome dela, ela era alta, tinha cabelos curtos e castanhos, assim como seus olhos, ela sempre usava jeans rasgadas e blusas largas tentando esconder o que tinha por baixo das roupas e não que eu ficasse reparando mas ela tinha um belo corpo, ela usava aparelho ortodôntico embora eu não notasse nenhuma imperfeição em seu sorriso, até achava sexy. Eu a ouvi dizer algumas vezes que tinha se mudado pra cá há pouco mais de um ano. Ela devia ter entre 15 e 17 anos e diferente das outras garotas de sua idade ela nunca vinha acompanhada, talvez gostasse de ser solitária, mas nem se comparava comigo, que tinha praticamente um casulo em volta de mim, me protegendo dos outros mortais. Sabe, eu a consideraria interessante, mas até então ela era só mais uma pessoa no meio da multidão e ela nunca olharia pra alguém igual a mim de qualquer forma.

Naquela noite em que eu vi a garota do chantilly pela primeira vez, tive um sonho com ela e nós fazíamos sexo. Eu nunca havia sentido tanta atração por uma mulher e lidar com aquilo era esquisito, por que até então eu era hétero e agora eu me perguntava o que realmente eu era. Ter desejo é apenas uma curiosidade que toda mulher pode ter? Será que eu sou lésbica? O que os outros vão pensar? O que meus pais vão pensar?

Eu até podia imaginar eles me desertando. Sabe aquelas pessoas que sempre estavam preocupados demais com o que o colega de trabalho vai dizer ou o que o vizinho irá pensar? Eles eram assim. Eu mesma não queria ser assim, mas infelizmente eu era e embora eu tentasse esconder esse meu lado com o passar do tempo foi ficando cada vez mais difícil. Comecei a pesquisar no google algumas matérias sobre homossexualidade, bissexualidade e etc, li bastante depoimentos de pessoas que se sentiam que nem eu, depoimentos de pessoas corajosas que se assumiram e hoje estavam vivendo seu felizes para sempre.

Cada vez que encontrava com o travesseiro, minha cabeça era tomada por pensamentos, diálogos inexistentes, pela minha imaginação fértil ou por perguntas e idéias de como contar para os meus pais e eu só conseguia pensar: ferrou. Eu fiquei me martirizando por dias devido à essa incerteza e hoje vejo o quanto foi desnecessário. Se querer beijar uma mulher significa que sou bissexual então eu era, simples assim. Minha vó dizia, a adolescência é um período efervescente, repleto de pequenas grandes descobertas. Como sempre ela tinha que ter razão? Droga! Bom, eu só podia rezar e esperar pra que essa pequena grande descoberta não a matasse do coração.

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